OS MENINOS VOADORES
Maria Amélia Medeiros Mano
Quando estava na Amazônia, um dia vi uma árvore
vazia de folhas, mas cheia de crianças nos galhos: indiozinhos quase do mesmo
tamanho, mesma cor morena, como pequenas
frutas maduras. Tentei registrar, desajeitada, com minha máquina analógica,
monstrenga, barulhenta e vagarosa da época...
Aos meus movimentos, meu olhar, o
grupo de pássaros-meninos revoaram da árvore. Todos ao mesmo tempo, em imensas
risadas. Com a mágica de frutas se desfazendo, despencando, ágeis e ligeiros do
alto dos maiores galhos, em sintonia quase canção, quase dança.
Sorriam como que pegos em uma
grande travessura e tento pensar que o que os fazia descer em bando, não era
medo, porque riam alto, mas timidez ou mesmo, um boicote divertido, uma fuga engraçada,
uma peça que pregavam em mim, me impedindo de eternizá-los em foto.
Muitas fotos já vi de meninos em
bando, em passarada, engalhados em árvores e me deu até uma “invejinha” do que
não consegui fazer. Muitos artistas, muitos desenhos e meninos muitos,
coloridos, empassarinhados em árvores, provando que outros já viram, se
inspiraram e dos jeitos que viram, fizeram traços e coloriram.
E ainda tento em outros momentos,
em outras férias, em outras folgas, registrar essas pinturas da vida. Essas que
a gente quer pra gente em um quadro na cabeceira da cama ou em um altar pra
rezar e colocar flores, porque algumas imagens são mesmo sagradas e merecem uma
vela acesa, um silêncio, uma promessa. Mas essas, ah essas! São as mais
difíceis!
Os meninos voam, o pássaro some,
o pequeno animal corre, a criança esconde o rosto, o velhinho deixa de sorrir.
O acaso nos faz estar na hora certa no presente que é poder enxergar a beleza
instantânea, mas não nos dá a oportunidade de manter... Talvez porque esse é o
tipo de beleza que deva ser só nossa, só de um momento e de alguma forma, feita
de um pouco de frustração e solidão.
Então, que a gente possa se conformar em ter só para nós
e só por um pouquinho esse tempo sagrado, esse olhar eterno que não prende nas
mãos, mas na memória, na alma e na emoção com que tentamos reproduzir ao outro
o que vimos, o que tentamos pegar, porque esse sagrado se torna mais belo
quando compartilhado com quem amamos. Mas não se torna menos belo porque é só
nosso...
Assim é que acho que o espírito
das árvores existe para brincar com os meninos, para nos pregar peças, para
espantar passarinhos, esconder fadas. Para nos dizer que o tempo é curto, que a
vida é breve, que tudo pode fugir dos olhos, das mãos, até nós, de nós, do
mundo, da vida, em nossa mais profunda sina de meninos que ora está a admirar a
árvore e ora está a brincar nela, ora está com todos e ora está só.
Meninos morenos que não pegamos
nunca. Meninos que nunca esquecemos. Meninos que são momentos. Meninos, árvores
que ficam, pássaros que partem. Nossos olhos, olhares que observam espantados e
que também cantam e dão risada, correndo dos galhos floresta a dentro, vida a
fora até que o voar no céu feito pipa entre as estrelas possa ser a travessura mais bela.
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