24 março 2015

OS MENINOS VOADORES


OS MENINOS VOADORES

Maria Amélia Medeiros Mano

          Quando  estava na Amazônia, um dia vi uma árvore vazia de folhas, mas cheia de crianças nos galhos: indiozinhos quase do mesmo tamanho, mesma cor morena,  como pequenas frutas maduras. Tentei registrar, desajeitada, com minha máquina analógica, monstrenga, barulhenta e vagarosa da época...

          Aos meus movimentos, meu olhar, o grupo de pássaros-meninos revoaram da árvore. Todos ao mesmo tempo, em imensas risadas. Com a mágica de frutas se desfazendo, despencando, ágeis e ligeiros do alto dos maiores galhos, em sintonia quase canção, quase dança.

          Sorriam como que pegos em uma grande travessura e tento pensar que o que os fazia descer em bando, não era medo, porque riam alto, mas timidez ou mesmo, um boicote divertido, uma fuga engraçada, uma peça que pregavam em mim, me impedindo de eternizá-los em foto.

         Muitas fotos já vi de meninos em bando, em passarada, engalhados em árvores e me deu até uma “invejinha” do que não consegui fazer. Muitos artistas, muitos desenhos e meninos muitos, coloridos, empassarinhados em árvores, provando que outros já viram, se inspiraram e dos jeitos que viram, fizeram traços e coloriram.

         E ainda tento em outros momentos, em outras férias, em outras folgas, registrar essas pinturas da vida. Essas que a gente quer pra gente em um quadro na cabeceira da cama ou em um altar pra rezar e colocar flores, porque algumas imagens são mesmo sagradas e merecem uma vela acesa, um silêncio, uma promessa. Mas essas, ah essas! São as mais difíceis!

        Os meninos voam, o pássaro some, o pequeno animal corre, a criança esconde o rosto, o velhinho deixa de sorrir. O acaso nos faz estar na hora certa no presente que é poder enxergar a beleza instantânea, mas não nos dá a oportunidade de manter... Talvez porque esse é o tipo de beleza que deva ser só nossa, só de um momento e de alguma forma, feita de um pouco de frustração e solidão.

           Então, que  a gente possa se conformar em ter só para nós e só por um pouquinho esse tempo sagrado, esse olhar eterno que não prende nas mãos, mas na memória, na alma e na emoção com que tentamos reproduzir ao outro o que vimos, o que tentamos pegar, porque esse sagrado se torna mais belo quando compartilhado com quem amamos. Mas não se torna menos belo porque é só nosso...

         Assim é que acho que o espírito das árvores existe para brincar com os meninos, para nos pregar peças, para espantar passarinhos, esconder fadas. Para nos dizer que o tempo é curto, que a vida é breve, que tudo pode fugir dos olhos, das mãos, até nós, de nós, do mundo, da vida, em nossa mais profunda sina de meninos que ora está a admirar a árvore e ora está a brincar nela, ora está com todos e ora está só.

           Meninos morenos que não pegamos nunca. Meninos que nunca esquecemos. Meninos que são momentos. Meninos, árvores que ficam, pássaros que partem. Nossos olhos, olhares que observam espantados e que também cantam e dão risada, correndo dos galhos floresta a dentro, vida a fora até que o voar no céu feito pipa entre as estrelas possa ser a travessura mais bela.


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