Maria Amélia Mano
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para
Lenine – Dudu Falcão
Gosto
de trilha, andar no mato, exercício de suportar passos, carregar corpo, superar
obstáculos – os nossos, dos limites dos pés e os do caminho, limite de terreno,
morro, pedra e regato. Às vezes tem que saltar e apressar o passo. Gosto de não
correr para pegar o ônibus, o táxi, para atravessar a rua. Não dá para correr
de mãos dadas. Não dá para observar o caminho, para falar da vida, para sentir
o gosto do vento, da terra, da água, do alimento.
Sim,
poderia entrar nessas reflexões de última hora (ou de última moda) em defesa do
movimento “slow”. Achar que ele é valioso é uma coisa. Observar que também pode
servir para agregar valor e virar consumo, como o ócio criativo, a autoestima e
a felicidade, como os discursos excessivos de uma sustentabilidade de hotel de
luxo na Amazônia ou de artista militante que deve gastar em cosméticos naturais
mais que um orçamento familiar.
Incoerências
à parte. Julgamentos também fora. Que tal, o velho discurso da reserva de
conhecimento (e de mercado) em nome da saúde da população? Só o médico pode
fazer diagnósticos. Só o farmacêutico pode dispensar medicamento. Agente
comunitário de saúde não pode aferir pressão arterial. Alguém consultou a
população ou esta, cujas todas as ações são feitas em nome de, não precisa ser
consultada...
Projetos
comunitários terminam porque não interessam mais aos responsáveis, sedentos de
novos processos mais visíveis, menos árduos. Esses mesmos responsáveis que
escrevem sobre participação, direitos e cidadania. E tem que saber logo da data
da prova que pode coincidir com a data de um evento. E tem que construir logo
uma rede de atendimento para a menina grávida, ameaçada, porque o companheiro é
do tráfico.
À
flor da pele, a gente se apressa. Quer resolver, discutir, questionar esses
discursos e realidades. Sim, porque nem tudo é “slow” e nossa revolta ferve
rápido. Articulamos estratégias construídas nas madrugadas insones. Corremos
para fazer pactos, assegurar continuidades, permanências, seguranças e
cuidados. Fazemos enfrentamentos. Urgências. O mundo vai terminar amanhã e tudo
depende de nós...
E-mails
precisam ser respondidos e missões, cumpridas. Sim, isso é respeitoso para com
processos com prazo definido. Os aniversários, é bom que a gente se lembre dos
dias e possa ser amoroso em tempo. Especialmente com as crianças que crescem
rápido, muito rápido. As pessoas lá fora esperam por atendimento. Crianças
esperam por adoção. No hospital, se espera por uma visita, um diagnóstico, um
coração, um rim, uma cura.
E
penso nessas pressas com a ansiedade de quem faz o check list de uma
interminável lista de afazeres. E me volto para a trilha paciente que alimenta
a alma desses paraísos sem tempo. É necessário ser rápido, é necessário ser
lento. Sem discursos, sem teorias, sem modas, sem propagandas, é escolha
difícil. E talvez a maior sabedoria é perceber que não podemos controlar tudo e
que nosso pulo não pode alcançar o inusitado e a surpresa.
Os
projetos se refazem mais ricos e fortes na precariedade e no abismo da
impossibilidade. Surge a criatividade da persistência, pela existência. As
datas vão sendo adequadas e ajustadas. A menina grávida, por si só, decide
terminar com o companheiro e está resolvida a situação das ameaças. Outras
configurações, lideranças e soluções aparecem do incômodo e do desconforto.
Aprendemos.
Olho
a poeirinha de erva submersa da xícara de chá que vai se assentando. Desenho
organizado a partir de um caos provocado de colherinha em círculo, pequeno
redemoinho. Cotidianos com sabor de cidreira. Quem dera todas as ansiedades
fossem essas. Não há porque apressar a erva, o ritual. O gosto será o mesmo e a
água estará mais limpa e plena de sabores. Mas não há porque deixar o calor
sair. O morno não alivia, nem aquece e ainda, muda o gosto.
Trilha.
Passo lento, cuidado. Passo rápido e forte. Xícara de chá em uma tarde de
véspera de outono. Espera e pressa, antes que esfrie. O caminho, a água. Apostas
que não dependem de nós. Somos pequenos, teimosos. Mas nossas impressões e
sensações são parte dessa história de pressas e preguiças. Boas caminhadas e
chá de cidreira, quente que nem abraço no cansaço, esperança de mudar o mundo,
esperança que o mundo nos mude.
https://www.youtube.com/watch?v=9X-hhzu0riw
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?