Maria Amélia Mano
(Por que não viver?)
Não viver nesse mundo.
(Porque não viver?)
Se não há outro mundo.
(Por que não viver?)
Não viver outro mundo.
Galvão - Pepeu Gomes - Moraes Moreira
Nesse dia da mulher, dedico esse texto às residentes
de saúde da família e comunidade da turma de 2014
de saúde da família e comunidade da turma de 2014
Como
é o “meu mês” de aniversário, como não obedeço a nenhum calendário
institucional, como é tudo mais barato, como ainda tem sol quente, como fui
contratada em fevereiro, março é meu mês de férias. E março, dizem, e é
verdade, tudo começa de fato. O ano, os projetos, as aulas. Assim, perco esses
movimentos de começo, perco as atividades da semana da mulher, perco as
despedidas dos antigos e as estreias dos novos residentes do serviço.
Falei
dos residentes, sim, meninos e meninas que nos chegam de dois em dois anos.
Perco seus últimos passos como “nossos” e ainda, os primeiros passos, incertos,
inseguros dos novos que ainda vem com cheiro de sala de aula, cheiro de
surpresa e susto, quase cheiro de leite materno. Sim, a universidade tira algumas
inocências e virgindades, mas é a vida lá fora, desprotegida, sem cerca, muro e
chamada que faz o serviço de “adultescer”.
Mesmo
que cheguem com pesos, histórias grandes, bonitas, densas e ricas, esses dois
anos são devastadores, intensos, generosos ou perversos. São os anos em que
podem se soltar da mão quando atravessam a rua: podem assinar suas prescrições.
No começo, perguntam muito e vão se tornando parte, “nossos”. E vão perguntando
cada vez menos até o dia em que nós perguntamos para eles quase tanto quanto
nos perguntam. Aí é hora de partir...
Mas,
excepcionalmente, depois de mais de sete anos, não estou fora no mês de março,
o que me deixa com esse sabor de novidade, equinócio em ritmo de trabalho,
transição de idas e vindas, planetas alinhados, desalinhando razões e emoções.
Como viagem nova, passagem nova, resolvi me apegar aos rituais de saída e chegada.
Escuto os discursos de despedida, planejo a acolhida dos novos. Entro no
redemoinho de ciclos que se fecham e recomeçam.
É
dia de festa, formatura, e tento esconder a lágrima. Boba, eu, sempre. Finjo
que tusso ou espirro pra disfarçar. Um pai me abraça e agradece por ter cuidado
da filha. O outro pai, emocionado, pergunta se a “sua menina” deu muito
trabalho. Estremeço. Um dia, também foi “deles” e bateu asas. Continua batendo
e ainda baterá, deixando peninhas de saudade, pluminhas de lembranças. Salve,
meninas! Se cuidem! Cuidem das asas, dos voos, dos pousos.
No
fim da festa, passa série de fotos de momentos, cotidianos, festas, congressos
e parcerias ao som de Novos Baianos. Canção antiga. Por que não viver nesse
mundo se não há outro mundo. Por que não se encharcar de sonhos, realidades e
aventuras. Por que não investir, não se arriscar se não há outro jeito de viver
e ser se não encharcado de utopias, se não prontos para desafios, novos
caminhos, sempre os caminhos, não mais perto, não mais nossos...
Já
não são mais meus, já não são mais minhas. Abraçam o mundo, esperançosas,
corajosas, com suas escolhas por lugares distantes, geografias árduas,
comunidades pobres... Levam esse tempo marcado na alma, tatuado na pele.
Acaricio os cabelos e deixo ir. Que jeito? Marcamos encontros. Já voaram. Sinto
vento e cor de outono no ar, folhas secas se fazem tapete de acolhida. Penso em visita domiciliar com a nova residente. Recomeçar. Ainda é março.
foto: tatuagem de residente
representando a comunidade.
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