Maria Amélia Mano
Ora senhora,
chora por nós,
pescadores.
Por dores eternas
que estufam
as velhas mazelas,
e amores tão ternos
que afundam
em tolas querelas.
Ora senhora,
ora, por hora
não tenho nada pra dizer.
Ora senhora,
chora por nós,
pescadores.
Que o pranto
que agora derramo
em ondas sonoras,
transforme-se em
canto e barco
de todas as horas.
Ora senhora,
ora, por hora
não tenho nada pra dizer.
chora por nós,
pescadores.
Por dores eternas
que estufam
as velhas mazelas,
e amores tão ternos
que afundam
em tolas querelas.
Ora senhora,
ora, por hora
não tenho nada pra dizer.
Ora senhora,
chora por nós,
pescadores.
Que o pranto
que agora derramo
em ondas sonoras,
transforme-se em
canto e barco
de todas as horas.
Ora senhora,
ora, por hora
não tenho nada pra dizer.
Marcelo Mello
Isso
faz tempo, muito tempo. Eu, de avental branco pra atender. Coisa rara. Mas era o
exigido no dito hospital particular, onde atendia aos funcionários. Anamar de
uniforme de camareira. Vestes de modelo antigo, engomado, parecendo de filme de
século passado. Nós duas em tempos outros, meio fantasiadas de outras. As
outras que também éramos por respeito e necessidade.
E
recordo da primeira vez que fui ao mar de Santa Catarina. Estudante, com amiga,
sem dinheiro, passava a sorvete. Desde Balneário Camboriú, para cima: Barra
Velha, Piçarras, Penha. Para baixo: Taquaras, Porto Belo, Bombas, Bombinhas,
Tijucas. Comprei concha com muito custo em Bombinhas e me prometi voltar. Voltei
para Itapema, em passeio com a avó e para a ilha, com a família, em Canasvieiras.
Anamar
chora e me conta sua história triste. A mãe deixou do pai por um amor. Foi
embora de casa deixando Anamar adolescente e os dois irmãos menores. Ela cuidou
de todos. Casou, teve um filho e precisou se mudar para Porto Alegre quando o
esposo, técnico de enfermagem, conseguiu trabalho no hospital. Daí, Anamar
conseguiu a colocação de camareira. Mas o filho, de 5 anos, estranhou a vida e
quis voltar pro antigo lar.
Florianópolis,
meu destino de fuga. Santo Antônio de Lisboa, encontro e descoberta solitária e
de mãos dadas. Garopaba, minha praia escolhida, meu mar protegido pela igrejinha.
Lugar onde mais ando descalça e espio as ondas do Siriú com sabor de pastel de
camarão, sorvete de abacaxi e pão com manteiga na padaria da praça. Busco
tesouros na areia. Sinto frio no verão que sempre chove chuva de dormir
tardeinteira...
E
Anamar é de Garopaba. Filho quis ficar na praia, com os tios e o avô pescador.
Anamar se viu longe do pequeno como, um dia, se viu longe da mãe. Tomou remédio
para ficar feliz e nada de sorrir. Então, afastei Anamar, para que ela voltasse
para o filho e para o mar, por dias. Para que descansasse da fantasia engomada,
para que pensasse no que queria, para que pegasse o solzinho tímido e visse a cauda
da Baleia Franca, quem sabe.
Quando
passou o tempo, ela voltou. O sorriso no moreno da pele combinava com o conhecido
sotaque do litoral. Contou que passou susto grande. O pai sumiu dois dias
depois de uma tempestade no mar. Bebia muito desde a saída da mãe. O medo de
perder trouxe a certeza de voltar. Veio me dizer que ia pedir demissão, voltar
para as gaivotas e águas vivas, para o pai e para o filho. Se o esposo pudesse
e quisesse, voltava com ela.
Olho
o entardecer último de outono de Garopaba. Os barcos descansam na areia
acariciada de espumas. Escuto as vozes dos pescadores que voltam do mar e penso
no pai de Anamar. Devia ser um daqueles homens tostados e sofridos, banhados de
redes, ondas, tempestades e mágoas. Águas dos olhos, da vida. O filho já devia
ser adolescente. Não sei se continuava casada. Nunca mais soube dela. Nunca
mais a vi.
Isso
faz tempo, muito tempo. Mas torcia que, assim como eu havia doado os aventais
brancos, ela também nunca mais tenha precisado usar uniforme engomado. Nós, em
encontro tão delicado, sendo tão outras em tempos outros. Agora, bem que
poderíamos nos encontrar, em tempos nossos, sendo nós mesmas, descalças,
contando das praias, dos portos, dos ventos e dos sonhos, marés e luas de
clarear esse nosso mar de Garopaba.
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