Maria Amélia Mano
Se o que nos consome fosse apenas fome
Cantaria o pão
Como o que sugere a fome
Para quem come
Como o que sugere a fala
Para quem cala
Como que sugere a tinta
Para quem pinta
Como que sugere a cama
Para quem ama
Palavra quando acesa
Não queima em vão
Deixa uma beleza posta em seu carvão
E se não lhe atinge como uma espada
Peço não me condene oh minha amada
Pois as palavras foram pra ti amada
Pra ti amada
Oh! pra ti amada
Fernando Filizola e José Chagas
(Palavra Acesa, 1978)
Novela das oito. Tião Galinha e Joaninha eram um casal e viviam de catar caranguejos no manguezal para vendê-los na beira da estrada. Com a esperança de mudar de vida, Tião resolve sair em busca do seu próprio pedaço de terra. Ele vai trabalhar na zona das fazendas de cacau do coronel José Inocêncio e descobre que o coronel adquiriu tudo o que tinha com um suposto pacto com um diabo, preso na garrafa. Tião, pelo sofrimento, questionando Deus, começa a buscar o mesmo pacto.
Nascido
na Paraíba, mas vivendo há mais de 50 anos em São Luís, José Chagas era o poeta
da ilha, poeta maranhense. Não se dizia poeta, se dizia versejador. Fez poesia
de ruas, terras e casarios antigos e iniciou seu “edifício poético” do teto, os
telhados de São Luís: “os telhados que estão em mim”. Depois, fez versos “apanhados
do chão” e falou dos chãos, das pedras. Assim, como poeta, se permite iniciar
uma casa do telhado para chegar ao alicerce. Diz a Zeca Baleiro que o
sentimento vem antes da compreensão, como poesia vem antes da prosa.
Osmar
Prado fez o Tião Galinha. Ator brilhante, personagens fortes, falas intensas.
Em entrevista maravilhosa, após um longo tratamento contra o câncer, ele diz: “É bom viver, mas tem o momento de
morrer. (...). Isso tudo [o câncer] me deu muita força. Para entender a
importância e a desimportância da nossa trajetória. O que vale e o que não
vale. O que é fútil e o que não é. E o privilégio que tenho de estar nessa
profissão desde criança, onde posso trabalhar e atuar com todos esses
sentimentos: o da morte, o da vida".
Emocionado,
na entrevista, o ator fala da decisão da morte de Tião da/na novela. O Tião foi
preso, foi pra cadeia, iria se matar. Mas alguém forte não se mataria por pouco
e estar preso era pouco. Resolvem que um policial iria dar uma bofetada na cara
de Tião. Para um homem digno e puro como Tião, essa humilhação, mais do que a
prisão, era suficiente para não suportar. Assim, Tião se mata antes de
conseguir seu pedacinho de terra. Tião, a fantasia. Osmar e José, reais. Todos
reais. Onde se encontram?
Todos
se encontram na poesia de José musicada pelo Quinteto Violado e tema de Tião,
interpretado por Osmar. O versejador e o homem que aprende sobre o
desimportante e empresta emoção a um personagem que ainda está vivo em muitos
mangues, muitas lavouras, muitas buscas.
Arte que não faz esquecer. Eternos na história que se faz
canção-encontro que traz a palavra acesa, a fome de muitos, a fome de mundos.
Mundos de carvão, de Tião, mas sempre musicados em poesia, mesmo que solitária,
mesmo que desconhecida.
foto - Sebastião Salgado - Terra
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