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Colagem. Imagens da internet, 2016. |
Ernande Valentin do
Prado
Na cidade de Curitiba,
em tempos que já parecem longínquos, haviam 5 salas de cinema mantidas pela
Fundação Cultural de Curitiba (FCC): Cine Ritz, Cine Luz, Cine Groff, Cine
Guarany (no Bairro do Portão) e mais a minúscula sala da cinemateca, onde só
eram apresentadas raridades.
No Cine Ritz, vez ou
outra haviam sessões de pré-estreia de filmes brasileiros, com a presença dos
diretores. Para participar bastava retirar os convites na bilheteria do cinema
ou na fundação cultural. Em pré-estreia vi Carlota Joaquina, a Rainha do
Brasil, de Carla Camurati, que apareceu na sessão, mas não deu um pio e foi
embora deixando uma sala lotada a ver navios. A desculpa era uma dor de
garganta, mas não podia nem acenar? Vi Fica Comigo, de Tezuka Yamasaki, muito
simpática e falante, que me disse que a Globo havia lhe impedido de divulgar
seu filme no Faustão, apesar dele a convidar. Julio Bressani, ao apresentar seu
Osvaldianas, filme de baixo orçamento em contraste com A grande Arte, de Walter
Salles Jr, herdeiro do Unibanco, que custara escandalosos Cinco Milhões na
época, ao ser provocado por mim disse: “com cinco milhões faria coisa melhor do
que um filme”. Vi também, Sábado, de Hugo Georgetti, filme lindo, criativo,
inventivo e bem filmado, mas que me deixou com uma péssima impressão ao
responder minha pergunta, que talvez tenha sido injusta. Em determinada cena do
filme, uma moça (Giúlia Gam, se não me engano) joga pão para pessoas famintas,
que agem como cães. Não era uma cena cômica, mas a plateia branca riu como loucos
desvairados, mais ou menos como deveriam agir quem assistia gladiadores se
matar no Coliseu. Perguntei se aquele tipo de risada não o incomodava. Ele
disse que não, sem maiores comentários, talvez querendo evitar polêmica com os
anfitriões. Sergio Bianchi, autor de Romance, de 1989, uma das experiências
cinematográficas mais radicais que já vi, apresentou no Cine Ritz A causa
secreta, filme cruel que apresentava uma classe média semelhante a vírus que
tudo destrói na busca por se reprodução (com luxo estonteante). Mas com ele não
pude dialogar, pois a sessão começou atrasada e terminou muito tarde para quem,
como eu, tinha que pegar o último ônibus da noite, rumo a distante e pobre
região metropolitana.
Em 1994 o filme da vez
era Louco por Cinema, do Simpático André Luiz Oliveira, que não apenas ficou
para o debate final, como também apresentou seu filme e disse, antes do início,
bom espetáculo, que ouvi incrédulo, pois não confiava que um filme que tinha
Nuno Leal Maia como protagonista pudesse ser um espetáculo. Mas foi.
O filme foi apresentado
numa quarta-feira, se não me engano. Tinha trabalhado o dia todo na IBRATEC,
metalúrgica na cidade industrial de Curitiba. Tomei meu banho, para tirar o
cheiro de óleo e querosene, o melhor que pude e fui direto para o cine Ritz,
mas diferente de outras sessões, desta vez não me deixaram entrar, disseram que
a lotação estava esgotada. Fiquei indignado, pois nunca havia acontecido
aquilo, eu sempre retirava os ingressos na bilheteria e nunca vi a sala tão
cheio a ponto de não ter mais uma cadeira (o cine Ritz era muito grande, para
os padrões de hoje). Pedi para a moça da bilheteria chamar o gerente. Ele veio,
disse que todos os ingressos já haviam sido distribuídos pela prefeitura, que
desta vez não puderam distribuir pessoalmente, mas que eu ficasse ali, que
assim que todos os convidados entrassem ele viria me buscar.
Na hora da sessão, vi poucas pessoas entrando,
menos do que de costume, talvez nem 30% da sala, tanto que o “gerente” nem
esperou todos entrar, foi logo me dizendo: “pode entrar”. Quando as luzes se
apagaram chegou o prefeito, Rafael Greca e sua comitiva. Sentaram e viram o
filme. No final, no saguão, fizemos uma rodinha em volta de André Luiz. Greca,
com sua boca murcha, parecendo não ter dentes, fez uma fala sobre a importância
de valorizar a cultura e o cinema brasileiro e outras coisas que viram
baboseira em determinadas bocas. Depois André conduziu, ali, em pé, com os
interessados muito próximos, tomou conta da conversa, que foi ótima, sobre o filme,
os modos de produção e distribuição do cinema Brasileiro. Fiquei animado,
conversamos bastante e, quando percebi que o debate já estava finalizando,
contei sobre a situação vexatória que havia passado para ver o filme e
questionei diretamente ao prefeito: qual o critério de distribuição destes
convites, uma vez que a sala estava quase vazia, será que não estavam
distribuindo para pessoas erradas? Será que não deveria ser a fundação cultural
a distribuir esses convites, como sempre havia acontecido?
Para finalizar disse: “não quero ficar na
bilheteria esperando para ver se sobra um lugar, quero um convite garantido,
porque eu gosto de cinema, e as pessoas que receberam os convites do gabinete
do prefeito não devem gostar”.
Minha fala causou um
mal estar geral, principalmente entre o prefeito e seus seguidores, mas ninguém
dignou-se a responder. Quando formos embora, ainda pude caminhar com André Luiz
até a saída, conversando sobre os próximos projetos. O homem que eu achei que
fosse o gerente do cine Ritz, na verdade era o coordenador (ou algo assim), da
fundação cultural de Curitiba, confessou que a minha fala foi muito apropriada,
pegou meu endereço e disse que mandaria convite toda vez que houvesse uma
pré-estreia, mas infelizmente essa foi uma das últimas, as salas de cinema ou a
programação especial das salas, por essa época, começaram a ser
desprestigiadas, tanto que hoje, a FCC só tem uma sala, ao menos era isso da
última vez que lá estive.
[Ernande Valentin do
Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
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