Maria Amélia Mano
Porto Alegre, 06 de setembro de
2016
Querida
Cigana Terena:
Escrevo essa carta porque já estou longe da sua casa, em outra
cidade, maior e mais distante. Mas acho que pode me ouvir de onde estou e que
posso escrever essa carta e pedir para minha mãe deixar no seu túmulo no
cemitério. Se tiver errada, me dê um sinal que eu vou aí. Qualquer sinal! Esses
da natureza que a Senhora tá acostumada a mandar. Pode ser uma folha diferente
caindo na minha frente, uma flor bonita em lugar seco. Lembro daquele arco-íris
que me mandou pra avisar que eu tava grávida. Foi demais!
Eu
sei que devia ir aí pessoalmente. Mas é que a vida tá difícil, o trabalho tá duro
e o patrão não dá folga, muito menos pra pagar promessa por graça alcançada! E
a Senhora sabe que eu não gosto de mentir. Pois é, Cigana, mas sabe que lhe sou
grata sempre. E sempre cumpro minhas promessas. Levo a saia rodada colorida de
chita, o vinho tinto, cigarro, as flores de muitas cores e jeitos. Flor de
plástico que é pra durar. É verdade que a última graça alcançada eu demorei a
pagar. Mas deixei placa bonita, gravada com seu nome e com a data do milagre.
Naquele
tempo, ninguém acreditava que eu ia conseguir. Pois, então, que eu acredito que
a Cigana fez milagre. Fez aquele homem que só me judiava ficar longe de mim.
Agora tão falando da Madre Teresa de Calcutá pra santa, mas acho que tinham
mais era que ver os seus milagres, Cigana. Pois que eu acredito só em santo que
passa pelo que a gente passou. Santo que sabe da vida. E a Senhora sabe porque
já foi casada. E eu duvido que não tenha passado trabalho, porque homem cigano
não é flor que se cheire, com perdão do comentário.
A
Cigana, que eu sei, era princesa lá em país distante, sabia ler as estrelas do
céu, consultava oráculos e era cartomante, mas, além de tudo, era mulher, teve
marido e filho. Santa Maria Madalena era especial também, mas virou freira
depois. E essa Madre Teresa, o que vai saber da vida de uma mulher? Dos
trabalhos da casa e do choro do filho? Da cozinha quando falta feijão e tempero?
Da falta de dinheiro, da bebedeira do marido e do nervosismo que faz bater na
cara e até na barriga. A Cigana sabe do que eu passei. E me livrou de mal
maior.
Agora,
arrumou esse serviço depois de muito tempo desempregada. Olha que me agarrei no
vereador Domingos, na patroa da minha mãe, até apelei pra família do “falecido”
e nada! Agora, fico feliz de poder sair de casa com minha bolsa, me arrumar e
poder trabalhar e criar meu filho sem pedir ajuda pro “falecido”. Tenho fé na
Senhora, Cigana, e sou sempre grata. Por isso vou mandando esses espumantes pra
cumprir minha promessa. Diz o homem da mercearia que é de sabor doce que nem a
gente gosta. Coisa de mulher.
Falando
em homem da mercearia, depois quero conversar com a Senhora sobre. É homem bom
e tá me ajudando. É carinhoso demais. Mas é história pra outro dia. Agora quero
dizer que com esse primeiro salário de telemarketing eu tô lhe entregando esse espumante
fino pra adoçar a vida que já é amarga que nem a mulher do dono da mercearia.
Assim ele me disse. Porque mulher que é mulher, Cigana, comemora é com bebida
de álcool. A mãe é que tá levando e se precisar que eu vá, já sabe, é aquele
combinado do sinal da natureza, o de sempre.
Um
abraço com fé e gratidão
Josélia
P.S.: Duvido que essa Madre
Teresa bebesse bebida de álcool!
* texto para disciplina do PPG Saúde Coletiva, baseado em muitas histórias ouvidas e algumas invençõezinhas...
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