13 dezembro 2016

MEUS PÉS, NOUTRO CHÃO


Maria Amélia Mano

Quem hoje ouve o que eu canto
Sabe um tanto do que eu sou
Pois é que a vida se me envolve,
Me devolve num verso assim

                Num verso assim...
                Então, os meninos resolveram voar...
                Contra todos os ventos, contra a correnteza, em subida íngreme, contra todas as expectativas. Brigam e se equivocam, disputam e se excluem. Falta coragem, falta segurança, falta tênis. Falta mais, mas não falta paixão, canção, som, suor na rua, na rua.

Que é feito coisa que não se fala
Mas não cala dentro de mim
Porque eu bem sei, o meu canto é som
É como eu sôo mais do que sou

                E como fazer canto assim, de atravessar fronteira. Fronteira de ser menino. Fronteira de vir de chão de terra e, tal qual nômade, mudar para asfalto que guarda tiros noturnos. Sair do mundo conhecido e voar em outros mundos estranhos. Num verso assim, assim.
                Então, os meninos resolveram cantar...
                Quem ouvirá...

Quem ouvirá
Quando eu me fizer cantar
Enquanto minha voz puder soar
Será, meu bem, a minha condição
Meu viés, ter meus pés, noutro chão

                Porque canto e voo de menino é poema. Que nem “a mulher de nuvens”, do poema de Gullar que se foi, sem querer sofrer. Um poeta a menos no mundo. Um mundo de grandes planos que decepcionam. Um mundo de pequenos que emocionam. A lágrima. Quem ouvirá, ouvirá.
                Então, os meninos resolveram tocar...
                E minh’alma toca...

Onde eu piso e minh'alma toca
E provoca meu verso enfim
É que essa sede é o que me salva
Das ressalvas que o mundo faz

                Toca. Toque. O menino toca na foto de si, em manobra nas nuvens. O menino tem orvalho nos olhos e nos ensina a chorar em público. Sem vergonha da beleza de ser. Sem receio da alegria. Sem culpa do orgulho. Como filho nosso da alma. Onde eu piso e minh’alma toca, toca.
                Então, os meninos resolveram chorar...
                Aos céus...        

Ao meu fim, ao amor, aos céus
E a sorte de viver
Será pra quê,
Se eu não cantar
Pra quê será
Se eu quiser esquecer
Do que me faz
E me refaz
E me revela e me acerta em cheio
Quando o feio é belo em mim
Sou eu quem pinto o meu espelho
E clareio o que é ruim.

                Céu que se refaz. Tempo que se desfaz. Clarear mais o dia que inunda o voo, o canto, o toque, o choro. O choro nosso e do menino que ganha e é verso, alma no meio do azul. E olhamos para o que nos faz maiores, melhores, o que nos faz voar, o que nos faz meninos, meninos.

Poemas/música: Quem Ouvirá - Daniel Altman/Diego Casas
https://www.youtube.com/watch?v=oGGCtQS_BgE

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