Maria Amélia Mano
Sorri quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios
João de Barro*
Então eu canto os primeiros versos
dessa canção e me vejo assim, meio Djavan, pensando no que ele pensou enquanto
entoava um canto tão triste. Triste nem tanto de quem cantou, mas de quem
compôs, de quem fez a versão. Ele, o palhaço triste, o Carlitos. E eu, na
canção e a canção em mim. Achei eu que eram hormônios e a TPM, quem sabe. Que
era cansaço, que era excesso. Que era alguma coisa e são muitas que não tenho
nada pra fazer, que não consigo intervir, que não posso aliviar, que me calo.
Escuta já não basta. Tem horas que não mudar o mundo dói. Ainda mais quando o
mundo fica cinza. Pretensão: ler artigo que cante colorido.
É atraso de ônibus, é fila imensa. É
muita gente pra ver e atender. É chuva horizontal que não tem guarda-chuva que
acuda. É amigo doente. É avião que cai cheio de esperança. É não poder chorar
em público. É exigência sem sentido. Plano desfeito, refeito. Meio sem jeito,
caminho com sono. Os pés pesam e as mãos me acariciam em um cuidado de mim,
para mim. Alguma generosidade. É saudade de casa. Saudade. Momento de ler as
palavras amorosas e acolher no peito a beleza que falta. Acalanto, remédio de
injustiça e maldade. As boas palavras. As belas palavras. Ah, é poesia que ilumina
noite escura, dia nublado. Pretensão: escrever texto que assobia.
E no meio desse desejo de sorrir,
apesar de algumas tormentas, vejo o desenho na pele: tatuagem. Pergunto. Sim,
ilustração de poeta. Poeta de barro. Manoel. Manoel que se emancipa, que se
liberta escrevendo em “absurdez”. E sorrio. Porque absurdez é língua de quem
também canta e voa. Passarinho, “ave extraviada”, em um quintal “maior que o
mundo”. “Liberdade busca jeito”, jeito de “transver o mundo”, jeito de
“aperfeiçoar o que eu não sei”. Ser especialista em não saber, em
“invencionática”. Boa dedução para quem termina o primeiro semestre de um
doutorado. Boa ideia que se ilumina em cansaço. Pretensão: Doutora em pouso de
poesia.
Então eu sorrio sozinha e me vejo
assim, meio Manoel, menos Djavan, menos Carlitos. Ainda canto, mas é canto de
“renovar tardes” e “encolher horizontes”. Canto desregulado, incompleto, meio
feliz, meio na dúvida. Dúvida é passo lento e olho que brilha, procura. Que eu
seja dessa substância que não se conforma, que não banaliza. Que eu seja triste
quando preciso. Que sorria quando a poesia bater em palavra amada, em sonho de
tatuagem, pra marcar pele e tempo, pra marcar voo, pra lembrar do dia em que me
achei em desenho de poeta passarinho. Que a areia da praia me renove os dias. Pretensão:
vou fazer tese sobre Cambalhota.
*Versão brasileira da música
"Smile", escrita por João de Barro (Braguinha) e gravada, entre
outros, por Djavan. A melodia foi composta por Charles Chaplin em 1936, tendo John
Turner e Geoffrey Parsons adicionado posteriormente.
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