14 fevereiro 2017

QUATRO CANTOS


Maria Amélia Mano

  É a mulher com câncer de colo de útero que quer ser mãe pela última vez. É a mãe que chega pra fazer exame ginecológico com três crianças pequenas querendo brincar. É convulsão, estridor laríngeo e susto sem adrenalina. É a confissão da fome. É o homem que quer um atestado para não voltar para a prisão. É solidão. É menino que apanha da mãe e chora porque vai rodar de ano. Pede ajuda. Como contar o fracasso?


  Então, é tempo de (me) dar pausa. Sair um pouco desse universo que respiro e que me inspira, que me cansa e me renova, mas também me envelhece com o tempo que passa com e apesar de mim e apesar do desejo de, às vezes, congelar o segundo. Como contar o tempo?


  Burocracias. Papeis intermináveis que desejo desenhar, picotar, transformar em confete. Reuniões intermináveis com pautas úteis e inúteis que confundem. Nem sempre sei que posição defender. Pelo que vale a pena brigar. E nem sempre modero minhas ironias, minhas agonias, nem sempre (des) necessárias. Como contar agonias em gotas, conta-gotas, conta-lágrimas?


  Mas, agora, é tempo de esperar que o tempo admita o sono até mais tarde e o sonho renovar e se renovar e me renovar em mais tempo livre. Mereço. Merecemos. Foi tempo árduo de escola, sempre, de aprender e ensinar, trocar provas, palavras escritas e apagadas e energias. Como contar cansaços e cada linha de confissão registrada?


  E é leitura, artigo, aula e trânsito parado. No meio de tudo, tiros na rua. Invasão, ameaça de expulsão. Disse que me disse. Muito e nada dito. Desdito. Desencontros de amigos e desentendimentos pequenos, tão pequenos diante de tanta fumaça no ar, tanta violência na rua, tanta gente sem casa. Como contar a estatística que nos banha de sangue os jornais, mas diz pouco da noite iluminada das vilas, dos sonhos e das insônias de quem tem medo?


  E suspiro porque sei que vou voltar. Depois do descanso. Depois da pausa. Depois da rede armada em céu azul de esperança e preguiça. Caminhada na praia. Tambaú e Iracema. Ponta Negra. Reencontro amigo com os sons de carnaval de rua e novas palavras em cada pedra pisada e pulada. Novas histórias. Como contar essas férias? Depois, eu conto. Conto como as contas desse verão. Rosas e rosários, sem horários. Como os cantos, os (meus) quatro cantos. Quatro câmaras do coração.

Foto: pré carnaval em Olinda 2016 - Quatro Cantos
Texto: expectativa de férias!

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