Maria Amélia Mano
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
Cora Coralina
Julie
é a melhor enfermeira do setor de neonatologia. Cuida dos pequenos, dos bem,
bem pequenos. Tão pequenos que, nem sempre, abrem os olhos ou têm sobrancelhas
ou pestanas. Tão pequenos que bebem o leite das mães em conta-gotas. E é neste
mundo pequeno de luta pela vida que é grande, que Julie trabalha.
Julie
prefere os plantões noturnos. Não gosta do dia e de suas badalações, visitas,
ansiedades e choros. Na noite, todas as vidas pequeninas são suas e Julie conta
histórias ou canta canções de ninar. Quando pode, inventa mais histórias e canções.
Também
inventa nomes. Sim, se o bebê não tem nome, é sempre Julie que escolhe o nome e
é sempre o nome perfeito, sempre cabe na vida que começa e, às vezes, na vida
que brevemente termina.
Uma
noite, Julie estava cantando baixinho e sentiu que várias vozes a acompanhavam
como um coro. Coro de crianças. Sentiu canto forte, mas leve. Belo, mas triste
e, ao fim de mais uma canção inventada, tantas vezes, tantas noites cantadas,
sentia e sentia mais.
Não
identificou de onde vinham as vozes. Buscou em todos os frios recantos brancos
da UTI neonatal e nada! Foi somente quando fechou os olhos é que Julie viu o
coro. Todas as crianças, os pequenos, muito pequenos que, um dia, por ela passaram
e se foram, em vida breve, em morte sem sentido.
Eram
elas, Julie reconheceu: Paula, Luíza, Francisco e o pequeno Gustavo. Estavam
lá, todas as noites, com Julie, inspirando histórias e canções de ninar.
Exercício de escrita em 15 minutos da oficina "Vai ter escrita de mulher, sim!"
Ilustração:
Akiko Hoshino
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