Maria Amélia Mano
Brilho de estrela do olhar
antes dos 20 anos. Ouvíamos música sentados em almofadas no chão da sala. Casa
de pai e mãe. Beijo e vento. Primeiro eu te amo. Afago e jazz. Descoberta. Fitas
K7 que couberam em caixa de sapato devolvida quando tudo terminou. Terminou
também na casa dos 20 anos o amor que veio em viagem distante. Estudantes,
éramos alegria, barulho, festa. Colchão de solteiro no chão. Criamos rituais
para lembrar. Depois, precisamos mágica para esquecer.
Com
30 e poucos, novo amor nascido de susto e encantamento. Ouvia as canções
tocadas por ele em violão lindo. Meu primeiro tapete azul que voava em chão
alugado. Frio de maio e a cozinha cheirava a ervas. Mas, um dia, nos atrasamos
para ver o por do sol. Eu na garupa da bicicleta. Sem poente e sem mim, ele saiu
de surpresa, como chegou. O chão-música-mesa-céu virou vazio. Dor que demorou a
passar.
Passou com o amor que chegou
de brincadeira e ficou por tempos e tempos, entre idas e vindas e idas. Dúvidas
entre brigas e mágoas. Nódoas na alma. Tréguas em abraços no chão da sala. Cartas
escritas como amores de tempos antigos e distantes. E aprendi a não me culpar
pelo sonho que não conseguimos pegar juntos.
Desejei o melhor para nós em despedida. Adulta, vi homem chorar pela
primeira vez feito criança.
Aos
40 anos, começou por engano. Sempre nele, sempre ele, o chão. Chão que já era
meu. Olhar que ficou por insistência ou insolência. Dividimos nossas histórias,
nossos amores já idos com a calma dos que já perdoaram. Lutos já chorados, sentidos,
agradecemos, leves, aos que já se foram, a quem nos tornou quem somos.
Sei que, como a vida, tudo
pode ser sempre despedida. Sei que se doer de novo, vai passar e que de tudo,
de muito, de amor, fica, ficará o que sustenta. Aguenta. Esse chão que é colo e
coberta. Cama e caminho. Certeza da terra. Profundeza de mundo. Pó e poeira. Piso
e pegada. Plantação. Onde cada raiz, cada obra é viva e canta. Onde cada canto
é dança e onde danço e renasço. No barro. Descalça.
* Texto que faz parte da publicação: Santa Sede - Crônicas de
Botequim - safra 2017
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