03 abril 2018

FEIRINHA


Maria Amélia Mano


A minha festa particular de sentidos desde sempre? Feirinha, feirinha...

A menina ruiva, pequena, passa com um tabuleiro com rolos de bananeira delicadamente feitos. Pergunto o que é e ela me responde: bolo de castanha com nozes enrolado em palha de bananeira... não está bonito, por isso a palha, mas está gostoso. Impossível não comprar e foi a minha primeira compra, iniciando a primeira feirinha de outono desse sábado nublado de março.

Desde que me lembro, é especial. Orgulho de passear com o pai que era o Senhor das feirinhas. Sabia de todas as melhores bancas, as melhores frutas, cheirava e apalpava, comia na cara dos feirantes que nem reclamavam. Acho que fazia com tanta propriedade que, para eles, era quase uma honra alguém assim, tão sábio, comer sem pagar. Era o que eu pensava, sinceramente.

E o pai passava sorrateiramente pelos vendedores de móveis de madeira de brinquedo. Mobiliei a casa das minhas bonecas com esses móveis de feira. Também surti o guarda-louças delas com as panelinhas e conjuntos de café e chá de barro, comprados em algum chão de feira. Transportei as bonecas em caminhão de madeira e lata de óleo, também da feira.

Mas o melhor da feira não estava na casa de bonecas, no transporte do caminhão, nos filhotinhos doces que nos apaixonávamos – pintos, patos, carneiros... – e que cresciam (como cresciam!), destruindo as plantas do pai e o sossego da mãe. O melhor da feira é a falação, a diversidade de gente, o furdunço, as receitas trocadas, a reclamação da carestia, a pechincha.

A feira que vou hoje não é igual a que ia na infância, mas é a minha feira e vou nela mesmo que nada compre, só pela caminhada e pelo encontro. Alguém sorri, pede licença, pede desculpas pelo carrinho de compras ou de bebê, pelo cachorro. Alguém vende lixa de unha e loteria, alguém toca gaita, violino ou algum instrumento exótico. E eu sigo, olhando e comendo. E como!

 Comprar na feira não é regra, mas comer na feira é! Claro, não como o pai, orgulhosamente descaradamente, sem pagar. Mas dividir a mesinha com desconhecidos e suas sacolas, falar de política, futebol, o tempo ou aquela banca de raízes que vende o melhor gengibre da feira é tudo! E nesse primeiro sábado de outono, confesso que exagerei.

Não foi só a menina ruiva do bolo de castanhas, mas o suco de goiaba, o café, a experimentação de uma combucha com cactos e hibiscos (eu sou das que experimenta coisas estranhas), a bolachinha com pesto de coentro, o pão de queijo recheado de berinjela que um amigo me pagou (sem saber do que eu já tinha comido), o café em xícara vermelha, pequenina de ágata. Luxo!

Sei que é tema tolo para uma escrita, mas escrita nem sempre vem de dores e ansiedades. Quero inaugurar um tempo meu de pequenas delícias, delícias que quero partilhar, escrever. Delícias simples de cotidiano que fazem a gente encontrar a gente, criança e adulta. Então, quem sabe, pretensiosamente, inspirar a quem me lê a lembrar de um prazer simples, desses que podemos confessar com esse pequeno orgulho das coisas ternas.

A minha festa particular de sentidos desde sempre? Feirinha, feirinha...

P.S.: não bebi o clássico caldo de cana porque, realmente, tive noção que era demais!


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