Maria Amélia Mano
A
minha festa particular de sentidos desde sempre? Feirinha, feirinha...
A
menina ruiva, pequena, passa com um tabuleiro com rolos de bananeira
delicadamente feitos. Pergunto o que é e ela me responde: bolo de castanha com nozes enrolado em palha de bananeira... não está
bonito, por isso a palha, mas está gostoso. Impossível não comprar e foi a
minha primeira compra, iniciando a primeira feirinha de outono desse sábado
nublado de março.
Desde
que me lembro, é especial. Orgulho de passear com o pai que era o Senhor das
feirinhas. Sabia de todas as melhores bancas, as melhores frutas, cheirava e
apalpava, comia na cara dos feirantes que nem reclamavam. Acho que fazia com
tanta propriedade que, para eles, era quase uma honra alguém assim, tão sábio,
comer sem pagar. Era o que eu pensava, sinceramente.
E
o pai passava sorrateiramente pelos vendedores de móveis de madeira de
brinquedo. Mobiliei a casa das minhas bonecas com esses móveis de feira. Também
surti o guarda-louças delas com as panelinhas e conjuntos de café e chá de
barro, comprados em algum chão de feira. Transportei as bonecas em caminhão de
madeira e lata de óleo, também da feira.
Mas
o melhor da feira não estava na casa de bonecas, no transporte do caminhão, nos
filhotinhos doces que nos apaixonávamos – pintos, patos, carneiros... – e que
cresciam (como cresciam!), destruindo as plantas do pai e o sossego da mãe. O
melhor da feira é a falação, a diversidade de gente, o furdunço, as receitas
trocadas, a reclamação da carestia, a pechincha.
A
feira que vou hoje não é igual a que ia na infância, mas é a minha feira e vou nela mesmo que nada
compre, só pela caminhada e pelo encontro. Alguém sorri, pede licença, pede
desculpas pelo carrinho de compras ou de bebê, pelo cachorro. Alguém vende lixa
de unha e loteria, alguém toca gaita, violino ou algum instrumento exótico. E
eu sigo, olhando e comendo. E como!
Comprar na feira não é regra, mas comer na
feira é! Claro, não como o pai, orgulhosamente descaradamente, sem pagar. Mas
dividir a mesinha com desconhecidos e suas sacolas, falar de política, futebol,
o tempo ou aquela banca de raízes que vende o melhor gengibre da feira é tudo! E
nesse primeiro sábado de outono, confesso que exagerei.
Não
foi só a menina ruiva do bolo de castanhas, mas o suco de goiaba, o café, a
experimentação de uma combucha com cactos e hibiscos (eu sou das que
experimenta coisas estranhas), a bolachinha com pesto de coentro, o pão de
queijo recheado de berinjela que um amigo me pagou (sem saber do que eu já
tinha comido), o café em xícara vermelha, pequenina de ágata. Luxo!
Sei
que é tema tolo para uma escrita, mas escrita nem sempre vem de dores e
ansiedades. Quero inaugurar um tempo meu de pequenas delícias, delícias que
quero partilhar, escrever. Delícias simples de cotidiano que fazem a gente
encontrar a gente, criança e adulta. Então, quem sabe, pretensiosamente,
inspirar a quem me lê a lembrar de um prazer simples, desses que podemos
confessar com esse pequeno orgulho das coisas ternas.
A
minha festa particular de sentidos desde sempre? Feirinha, feirinha...
P.S.:
não bebi o clássico caldo de cana porque, realmente, tive noção que era demais!
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