Maria Amélia Mano
Dia da Árvore, de São Francisco, da
Natureza, dos Pais. Todos são dias do meu pai, 81 anos, agrônomo e apaixonado por juntar
sementes e galhos, cuidar de plantas e explicar os nomes científicos. Como se elas
tivessem um pseudônimo, um nome artístico para uma vida pública. Na intimidade,
o mistério da vida privada, poliamor permitido e desejado. Rápidos e múltiplos
encontros com abelhas e beija-flores. Formas para facilitar os beijos. Caminho
de pólen. Cores vivas para atrair. Perfumes doces. Vestidos leves para voar ao
mínimo sopro. Néctar e seduções.
Para meu pai, cada flor tem poesia em
cálice, corola e gineceu. Cada fruta tem surpresa, cada planta tem segredos e
um parentesco inusitado. Jaca, abacaxi e amora não são frutas. Fruta é cada um
dos gominhos que elas possuem. Pepino é parente da melancia e da abóbora: quase
todas têm gavinhas que são aquelas mãozinhas verdes que fazem pequenas molas ou
vírgulas. Os nomes que conhecemos servem para as plantas mas não têm o mesmo
significado. Assim, as folhas têm bainha, as sementes podem ser nuas e os
caules têm anéis que contam histórias e tempo de vida.
Crianças, no Nordeste, nesses dias de
pai, fazíamos presentes para ele: cartões com desenhos de flores, matas,
árvores, plantações. Adultas, já no Sul, assistimos às tentativas de ele fazer
um pomar tropical já perto do Uruguai. Insistência, teimosia, mania que virou
coisa de família. Há pouco, minha irmã mandou uma foto do filho com as mãos em
concha cheias do fruto da melhor árvore que já subimos na infância: seriguela.
Sim, seriguela em Santa Catarina. Tem também maxixe na Lagoa dos Patos.
Do Ceará, nas últimas férias,
clandestinamente, no avião, trouxe um galho de pitombeira. Eu não levava fé mas
faz uma semana e o pai me disse: uma semente brotou. Atravessou país-continente
a planta que é folia, frevo dos Quatro Cantos, alimento dos passarinhos, festa
dos meninos danados do sertão que fazem careta
com aquela gastura nos dentes, lá atrás da boca. Não é à toa que o significado
de pitomba em tupi é bofetada, chute forte e sopapo.
Pai quer que a pitombeira, quando
crescer, vá para o parque da Redenção em Porto Alegre. Diz que quer as cinzas
dele lá, no pé da pitombeira, quando se for. Mas a pitombeira nem é árvore
ainda. É só uma plantinha bebê de dois
centímetros que dorme ao lado da cama do pai. Lugar mais quente pra sobreviver
ao inverno, diz ele. Então, tem tempo. Tempo para continuar comemorando
os dias do pai. Tempo para ouvir as histórias das raízes na terra. Tempo para abraçar
com gavinhas. Tempo para continuar torcendo pelos
amores das flores, pelas árvores viajantes, nômades, clandestinas. Esperança
dos que migram.
Ah, pitombeira, vê se resiste! Mas pode
crescer devagar. Bem devagar...
* Texto que faz parte da publicação: Santa Sede - Crônicas de
Botequim - safra 2017
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