Maria Amélia Mano
Seu Didi vendia quiabo em bicicleta, na rua.
Quando passava nas casas, gritava: quiaaaaabo!
E as crianças imitavam o velhinho em um eco engraçado. Daí, Seu Didi adoeceu de
doença grave. Dizem que foi por causa do palheirinho que gostava de fumar, que
a fumaça atingiu a garganta. Seu Didi emagreceu, foi para o hospital, voltou
sem voz e com um buraco no pescoço. Ia para a rua quietinho, sem voz e sem
palheiro. Então, colocou buzina de caminhão na bicicleta para chamar atenção
das pessoas. Mas sentia falta da voz, da fala, até da zombaria das crianças.
Dona Cora, apesar de velhinha, tinha as mãos
pequeninas de criança. Contam que ajudava o pai que pintava aquarelas para
vender. A especialidade deles era os pássaros da região, paixão de Dona Cora. Com
as aquarelas de passarinho, ilustravam até convite de casamento, aniversário e
primeira comunhão. Assim fizeram por 35 anos até que o pai de Dona Cora faleceu
dormindo, com quase cem anos. Dizem que ela se entristeceu sem volta, fechou a
oficina de aquarela, nunca mais pintou. Guardou as mãozinhas pequeninas para os
afazeres silenciosos da casa antiga, agora, sem cor e sem vida.
Seu Didi era querido na cidade. Assim, com as
rifas da igreja, os bingos do sindicato, ele juntou o suficiente para tratar da
garganta e dar jeito na mudez. Todos queriam de volta o velho quiaaaaabo e o
eco das crianças. E, então, foi que Seu Didi voltou a falar. Mas era voz
estranha, voz que saia das profundezas de um balde de alumínio, de dentro de um
container. E Seu Didi até ensaiou, mas o velho jeito de gritar não saiu mais,
nunca mais. E dizem que foi aí, na desesperança de voltar a ser quem era, que
ele conheceu Dona Cora.
Dona Cora abriu a janela com a buzina de
caminhão e se deparou com um senhor franzino em uma bicicleta, vendendo
quiabos. Seus olhares de tristezas se cruzaram. As mãos pequeninas de Dona Cora
e a voz metálica de Seu Didi eram sedução e coragem, mais que diferenças e
vergonhas. Foi amor primeiro de oportunidade última, velhinhos que eram. Detalhes,
ninguém sabe ao certo. O fato é que Dona Cora começou a apreciar batatinha com
quiabo e Seu Didi, começou a se interessar pelos pássaros da região.
Não demorou para que fossem vistos juntos nas
festas da padroeira, na praça, de mãos dadas. Dona Cora voltou a sorrir e suas
mãos pequeninas se agitavam, nasciam novas aquarelas, as mais ternas, as mais
coloridas. Seu Didi começou a observar os pássaros e seus cantos, começou a assobiar
as canções mais lindas. A bicicleta vivia enfeitada de aquarelas de passarinhos
e nunca mais ele usou a buzina de caminhão. Agora, o assobio era a marca doce.
Na frente das casas, entoava um canto apaixonado. E as crianças, dizem, até os
adultos, respondiam sempre: quiaaaaabo.
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