Maria Amélia Mano
Para Ernande
Londres,
Berlim, Nova Iorque e ainda, lindas capitais brasileiras, cidades históricas,
todas com algum postal à venda em alguma livraria estilosa que tem sempre algo
mais que livros. Hotéis com vistas para o mar ou parque, aeroportos
confortáveis, charmosas estações de trem com lindas cafeterias, também com algo
mais que cafés. Assim é fácil, meu amigo, retirar o Moleskine da bagagem de mão
e traçar o início de uma crônica de viagem. Não que isso diminua o talento, mas
lanço um novo desafio à inspiração.
Experimente
ir para uma cidade onde o taxista da cidade vizinha cobra a ida e a volta
porque, para o trajeto de retorno, não tem passageiro e alguém tem que pagar o prejuízo. Transite por rodoviárias,
passarelas, terminais, ônibus, carrocerias de picapes e kombis cheias de
hippies no Planalto Central. Tudo pela aventura, pela descoberta e, no meu
caso, pelo encontro com um amigo-irmão-nômade: Ernande. Com Ernande, peguei uma
balsa de Cabedelo a Lucena, na Paraíba. Alice, a filha pequenina de lindos
olhos amarelos, corria na noite de lua cheia, praia deserta; certeza de que
tudo fazia sentido.
Por Ernande,
fui a Paripiranga, na Bahia. Melhor desembarcar em Aracaju e passar por Lagarto,
ainda em Sergipe, para comer carne seca com tomate verde. Se não gostar de
coentro, avisa. Avisa mesmo. Lá tem uma Torre Eiffel, um pouco menor do que a de Paris, mas as pessoas gostam. Escreva
palavras soltas para lembrar, depois. Ainda por Ernande, fui a Dias D’Ávila,
também na Bahia. Melhor desembarcar em Salvador e comer um acarajé ali mesmo,
no estacionamento do aeroporto. Se achar que o calor escaldante, junto com o
balanço do ônibus lotado podem fazer mal, evite. Evite mesmo. Ande pela Avenida
Raul Seixas, homenagem ao roqueiro que ia tomar banho no Rio Imbassaí.
Amigo, arrisque!
Garanto que escrever a partir dessas estradas cheias de pó, histórias e vida é
desafio e delícia sem fim. Como nas finas livrarias e cafeterias, há algo mais
que livros e cafés só que com um detalhe: não está à venda. É Brasil Profundo,
cheio de dores e cicatrizes de sertanejos e pescadores, mas cheio de dança e
generosidade caipira, cantos de lavadeiras ribeirinhas, cuidados de benzeduras,
cirandas, sabedorias indígenas e quilombolas; fronteira de verde-imensidão-pampa
que bem conhecemos.
Então, no fim da tarde, em Paripiranga, se
convide para sentar na calçada com as mulheres e dividir memórias, bordados,
esperanças e bacias de pipoca. Tome banho no rio, no açude. A água é morninha e
as crianças lindas brincam com boias de câmara de ar, felizes, apesar da
pobreza. Em Lucena, faça silêncio por mim ao se encantar com o céu e se, por
acaso, encontrar uma menina de olhos amarelos, correndo na praia, só pode ser
Alice. Então, me faça um favor. Diga que vou visitar eles em João Pessoa, antes
que se mudem para o Recôncavo. E diga que sinto saudades.
Essas boas
saudades ciganas.
- Texto da Oficina em homenagem a Caio Fernando Abreu: Caio em mim
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