Maria Amélia Mano
Ele que só tinha dezessete
anos e o osso do nariz fraturado. Recém começava.
Dou-lhe uma, dou-lhe duas,
dou-lhe três. Acabou. Fracasso. Deitado em uma poça de sangue, sentiu que a dor
da alma era maior que a do corpo e lhe faltava ar nos pulmões: uma fratura no
nariz e desvio de septo. Morrer seria um alívio, pensou. Mas seguiria e na
faculdade conheceria o amor, a gravidez sem plano e o aborto pago com o salário
do primeiro estágio remunerado, o sangue, o medo, as dores, a culpa, as
acusações. Depois, traição, mágoa e rompimento entre lágrimas. Tentariam
retornos em vão.
Restaria pra eles uma
despedida para sempre. Para sempre também, guardado, o abraço apertado da mãe
no aeroporto, o último. Ela morreria oito meses depois de um câncer rápido.
Quando ele iria saber. Quando iria imaginar. Só queria sair, estudar, conhecer
outros mundos. E mais que outros mundos, conheceria outros amores. Sofreria e
provocaria algumas desilusões. Teria solidões reais e cheias de amigos. Amigos
que lhe abririam e fechariam portas. E adiaria três vezes a cirurgia do desvio
de septo.
Às vésperas de uma viagem de
trabalho, conheceria sua primeira esposa, mãe de seus dois filhos. Decidiria, com
sofrimento, colocar o pai demente em um asilo. Tal dor o faria reviver outras
dores e outras culpas, outras perdas. A terapia lhe traria algum conforto e
calma, mas as noites ainda seriam longas, sem falar da rotina no casamento, a
pressão do trabalho e da amante, sem falar da maturidade, da busca de sentido,
sem falar da falta de cor, de emoção e de ar que pioraria com o ganho de doze
quilos.
Finalmente, viria a atrasada
e necessária correção do desvio de septo. Voltaria a respirar bem como se
tivesse dezessete anos. Sim, aquele menino completamente arrasado, sem chão, destruído
por uma brincadeira de turma, de rua. Ele que achava que aquela era a maior dor
do mundo, o maior infortúnio. A vida viria e veio com outros desafios, outras
lutas e nocautes, outras dores e outras surpresas. Menino distante e perto. Sentiu
um ar novo e antigo enchendo a vida de esperança. Quem saberia.
Ele que só tinha quarenta e
sete anos e reaprendia a respirar fundo. Recém começava.
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