Maria Amélia Mano
Na parada de ônibus, palhaço assustador de olho
azul e dicção ruim pede dinheiro para os filhos gêmeos que passam fome. Logo em
seguida, homem que dizia ser de Araguaína, conta que sofre de hemorroidas e pede
dinheiro pra voltar pra casa. Eu duvido e não dou.
Verdade é velhinha que acha que todo matinho
que nasce ou é remédio ou é flor. Erva daninha não existe pra senhorinha
esperançosa.
O velho taxista olha o mapa da cidade pra achar
destino. Quem ainda olha mapas? Quem ainda compra alianças? Eles, O casal que não mais se ama e busca par especial pra
casar, em esperança e esforço triste.
Triste como a moça do pedágio da fronteira que se
chamava Ida mas dali nunca saía. Talvez sonhasse como meninos que são caddies
no clube de rico e brincam de golfe no banhado da Vila Dique: bola na lama,
taco de pau achado no lixo.
O mesmo lixo separado pela recicladora do
galpão da zona norte que nunca comeu doce de Pelotas. Cidade onde teve
casamento coletivo no presídio e alugaram até vestido de noiva branco e bonito,
como as mulheres jamais poderiam ter e talvez, nunca possam.
Vestido de debutante que menina pobre e doente
ganhou de político que queria ganhar eleição pra vereador. A mesma menina que,
um dia, pediu pra ser internada na véspera de natal pois sabia que teria festa
e presentes na enfermaria.
Na igreja da mesma cidade, mulher negra canta
aleluia e na calçada, um bêbado trôpego passa e faz o sinal da cruz.
E eu, que sinto ternura por mapas e destinos, que
dei doce de Pelotas pra recicladora, que nunca usei vestido de noiva, odeio
políticos que vendem ilusão, amo nomes que contam histórias e sonhos de
meninos, meninas, velhinhos, velhinhas, ervas daninhas, eu, que não consigo
fazer coreografia de macarena ou village people e prefiro rinocerontes a
unicórnios, que dei de nascer em cidade de nome que era pra ter acento, mas não
tem.
Eu, logo eu, dei de duvidar da versão do
palhaço e do nortista que pedem ajuda na parada de ônibus...
E assisti mulher negra de sotaque bonito,
talvez africana, tirar um troco da carteira. Ela que deve saber o que é fome.
Ela que deve saber o que é querer voltar pra casa e não ter como. Ela que deve
ter menos que eu. Ela que me faz pensar que devo, que nem o bêbado na frente da
igreja, fazer uma reverência e talvez uma oração.
Eu, embriagada de cotidiano, limites,
distâncias, pequenas caridades, peço desculpas. Sou pequena demais pra esse
mundo.
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