02 março 2019

A FORÇA DA VIDA


Maria Emília Bottini

Num tempo próximo ao tempo presente, nasceu uma menininha magrinha e comprida. Seu nascimento marcou seu coração e sua alma com uma dose de tristeza, pois sua mãe a traz à luz, mas faz a travessia do portal da vida para a morte.
A pequenina tem uma infância amorosa e cresce entre Brasil e Espanha. Em sua vida há um pai espanhol, uma mãe do coração e uma terceira mãe. Na adolescência, nada lhe foi muito fácil, a solidão, a tristeza e a doença foram suas companhias.
No ciclo de viver, Paulo torna-se o amor a ser vivido. A menina, agora mulher feita, abriga em seu ventre um filho e, com ele, sonhos são renovados, mas a morte a visita novamente. O bebezinho não nasceu; nos braços da morte se deitou.
Muito tempo transcorreu na companhia da tristeza. Outro bebê está a caminho, mas o momento do parto torna-se sombrio e doloroso.  A mulher e o bebê em seu ventre caminham juntos por um túnel de luz intensa. Ao final dele vislumbra o vulto de uma mulher bela, alta, cabelos negros, vestido longo e branco com flores delicadas a esperá-la. Reconhece o vulto como sendo sua mãe.
Segue o percurso do caminho que está cercado de flores e borboletas. Algo lhe chama a atenção: escuta ao longe o choro de um bebê. Ela para e olha sua mãe que a observa ao final do túnel. O choro a invade. É seu bebê ainda desconhecido.  
O desejo de estar com sua mãe é imenso e se aproxima dela. A mãe a acolhe em seu abraço amoroso e se aninha neste abraço. A mãe afaga-lhe a alma cheia de saudade de um tempo não vivido. Aninhada ao peito da mãe, não quer sair, quer ficar e com ela seguir.
A mãe percebe o que acontece e ao ouvido lhe fala docemente: “Volte para seu bebê, ele precisa de você”. Então, afasta-se e olha sua mãe, o choro do bebê agora é mais forte. Sente uma dúvida cruel: voltar para ser mãe ou seguir sendo filha?
Lentamente se afasta alguns passos da mãe e a mãe se afasta dela. Retorna ao seu corpo, abre seus olhos e vê seu garotinho fora de suas entranhas e o recebe em seu colo.
Longas e robustas lágrimas lhe escorrem pela face e carregam a compreensão de que ao despedir-se de sua mãe, deu à luz ao seu filho e renasceu para a vida.


## Emília é Psicóloga clínica, Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF), Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB), autora do livro No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer.

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