Maria Emília Bottini
Num tempo próximo ao tempo presente, nasceu
uma menininha magrinha e comprida. Seu nascimento marcou seu coração e sua alma
com uma dose de tristeza, pois sua mãe a traz à luz, mas faz a travessia do portal
da vida para a morte.
A pequenina tem uma infância amorosa e
cresce entre Brasil e Espanha. Em sua vida há um pai espanhol, uma mãe do
coração e uma terceira mãe. Na adolescência, nada lhe foi muito fácil, a solidão,
a tristeza e a doença foram suas companhias.
No ciclo de viver, Paulo torna-se o amor a
ser vivido. A menina, agora mulher feita, abriga em seu ventre um filho e, com
ele, sonhos são renovados, mas a morte a visita novamente. O bebezinho não
nasceu; nos braços da morte se deitou.
Muito tempo transcorreu na companhia da
tristeza. Outro bebê está a caminho, mas o momento do parto torna-se sombrio e
doloroso. A mulher e o bebê em seu
ventre caminham juntos por um túnel de luz intensa. Ao final dele vislumbra o
vulto de uma mulher bela, alta, cabelos negros, vestido longo e branco com
flores delicadas a esperá-la. Reconhece o vulto como sendo sua mãe.
Segue o percurso do caminho que está
cercado de flores e borboletas. Algo lhe chama a atenção: escuta ao longe o
choro de um bebê. Ela para e olha sua mãe que a observa ao final do túnel. O choro
a invade. É seu bebê ainda desconhecido.
O desejo de estar com sua mãe é imenso e
se aproxima dela. A mãe a acolhe em seu abraço amoroso e se aninha neste
abraço. A mãe afaga-lhe a alma cheia de saudade de um tempo não vivido.
Aninhada ao peito da mãe, não quer sair, quer ficar e com ela seguir.
A mãe percebe o que acontece e ao ouvido
lhe fala docemente: “Volte para seu bebê, ele precisa de você”. Então, afasta-se
e olha sua mãe, o choro do bebê agora é mais forte. Sente uma dúvida cruel:
voltar para ser mãe ou seguir sendo filha?
Lentamente se afasta alguns passos da mãe
e a mãe se afasta dela. Retorna ao seu corpo, abre seus olhos e vê seu
garotinho fora de suas entranhas e o recebe em seu colo.
Longas e robustas lágrimas lhe escorrem
pela face e carregam a compreensão de que ao despedir-se de sua mãe, deu à luz
ao seu filho e renasceu para a vida.
## Emília é Psicóloga clínica, Mestre em Educação pela Universidade de
Passo Fundo (UPF), Doutora em Educação pela Universidade de
Brasília (UnB), autora do livro No cinema e na vida: a
difícil arte de aprender a morrer.
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