05 março 2019

FRANCISCO, JOÃO E BOB DYLAN NA GREVE DOS CAMINHONEIROS


Maria Amélia Mano

Like a Rolling Stone. Táxi até aeroporto, avião, destino: Salvador, Belém, Teresina, com parada em Brasília. Outras cores e sotaques, 15 graus outonais, pessoas com casaco para atravessarem o Tibete, outras com havaianas com os dedos (roxos) de fora. Sim, o melhor das viagens são as pessoas. Malas impossíveis espremidas no compartimento de cima, sacolas de chocolate de Gramado e roupas de lã que nunca usarão, fetiches-símbolos do Sul. Um vê filme, outro joga paciência; tem quem selecione fotos da viagem no celular que vão continuar no celular, turbulência, turbulência, turbulência. Não: é homem com medo balançando as pernas, atingindo ferozmente minha poltrona e penso nas compulsões: cocaína, jogo (oh, Jokerman), sexo, shopping, Facebook, pernas inquietas, plástico bolha, pipoca, pra mim, em especial, o grão preto que nem pipocou, que não está na dica de gastronomia da revista de bordo da companhia-transportadora-oficial-da-seleção-brasileira. Páginas coloridas: nova série da Globo, casar no paraíso, adaptação de quadrinho para cinema (adoro!), escritor que muda para a cidade do romance que está escrevendo pra se ambientar (meus próximos personagens viverão em Jericoacoara), moldar realidade em cocriação pela expressão de talentos (hein?), capitalismo consciente, trabalhar por dinheiro ou deixar um legado? The answer is blowin' in the wind. Mais revista! Internet de alta velocidade no sertão de João, sim, o Rosa, dois mil empregos e sede em Pereiro no Ceará, sertão conectado, que Sertão está em toda parte, que Sertão é do tamanho do mundo e que se alteia e se abaixa, anuncia aterrisagem, nuvem, nuvem, nuvem, balanço, balanço, balanço, clareira, cerrado, terra de Léo e Bia, João de Santo Cristo e Maria Lúcia. Trem pra rodoviária, eixão, churrasquinho de gato, cocada, caos, gasolina não tem mais, ônibus talvez não saia, feriado da padroeira de Goiânia, povo nas estradas, transporte alternativo. Tonha dirige com tanque na reserva, eu e mais cinco pessoas. Francisco, pequenino, revesando colo, sono e surpresas, caminhoneiros bloqueando a pista, fogo no asfalto, fogo no churrasco de beira de estrada, atalho, barro, barro, barro. Francisco, cinco anos, canta: um, dois, três, estrelinhas. Era indiozinhos e ele preferiu estrelinhas, mudou por que achava mais lindo, disse. May you stay forever Young. Mas a mãe briga: Francisco Douglas Silva dos Santos Júnior! E menino se cala e olha paisagem, graúna rapineira na cerca de arame, sol indo, rádio informa que é dia do aniversário de Bob Dylan, só podia. Folk Music e baladão, Minesota e Alto Paraíso de Goiás, Centro Oeste e soja também aqui, Bob! Imensidão, também aqui, João! Que sertão: é dentro da gente, gente tanta de história muita, é muito e é vazio, pessoas no vazio. Sim, o melhor das viagens são as pessoas. Conversas, lugarejos, cerrado, chapada e chegada, eu meio torta espremida, cochilo enfim, ouvindo Francisco contar histórias de peixes, rios e indiozinhos que se transformam em estrelas. Hey! Mr. Francisco Boy, play a song for me.

Texto parte da coletânea Caio em Mim em homenagem a Caio Fernando Abreu – Oficina Santa Sede - 2018

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