Maria Amélia Mano
Like a Rolling Stone. Táxi até aeroporto, avião,
destino: Salvador, Belém, Teresina, com parada em Brasília. Outras cores e
sotaques, 15 graus outonais, pessoas com casaco para atravessarem o Tibete,
outras com havaianas com os dedos (roxos) de fora. Sim, o melhor das viagens
são as pessoas. Malas impossíveis espremidas no compartimento de cima, sacolas
de chocolate de Gramado e roupas de lã que nunca usarão, fetiches-símbolos do
Sul. Um vê filme, outro joga paciência; tem quem selecione fotos da viagem no
celular que vão continuar no celular, turbulência, turbulência, turbulência. Não:
é homem com medo balançando as pernas, atingindo ferozmente minha poltrona e
penso nas compulsões: cocaína, jogo (oh,
Jokerman), sexo, shopping, Facebook,
pernas inquietas, plástico bolha, pipoca, pra mim, em especial, o grão preto
que nem pipocou, que não está na dica de gastronomia da revista de bordo da
companhia-transportadora-oficial-da-seleção-brasileira. Páginas coloridas: nova
série da Globo, casar no paraíso, adaptação de quadrinho para cinema (adoro!),
escritor que muda para a cidade do romance que está escrevendo pra se ambientar
(meus próximos personagens viverão em Jericoacoara), moldar realidade em
cocriação pela expressão de talentos (hein?), capitalismo consciente, trabalhar
por dinheiro ou deixar um legado? The
answer is blowin' in the wind. Mais revista! Internet de alta velocidade no
sertão de João, sim, o Rosa, dois mil empregos e sede em Pereiro no Ceará, sertão
conectado, que Sertão está em toda parte,
que Sertão é do tamanho do mundo e que se alteia e se abaixa, anuncia
aterrisagem, nuvem, nuvem, nuvem, balanço, balanço, balanço, clareira, cerrado,
terra de Léo e Bia, João de Santo Cristo e Maria Lúcia. Trem pra rodoviária,
eixão, churrasquinho de gato, cocada, caos, gasolina não tem mais, ônibus
talvez não saia, feriado da padroeira de Goiânia, povo nas estradas, transporte
alternativo. Tonha dirige com tanque na reserva, eu e mais cinco pessoas.
Francisco, pequenino, revesando colo, sono e surpresas, caminhoneiros
bloqueando a pista, fogo no asfalto, fogo no churrasco de beira de estrada,
atalho, barro, barro, barro. Francisco, cinco anos, canta: um, dois, três,
estrelinhas. Era indiozinhos e ele preferiu estrelinhas, mudou por que achava
mais lindo, disse. May you stay forever
Young. Mas a mãe briga:
Francisco Douglas Silva dos Santos Júnior! E menino se cala e olha paisagem,
graúna rapineira na cerca de arame, sol indo, rádio informa que é dia do aniversário
de Bob Dylan, só podia. Folk Music e baladão, Minesota e Alto Paraíso de Goiás,
Centro Oeste e soja também aqui, Bob! Imensidão, também aqui, João! Que sertão:
é dentro da gente, gente tanta de
história muita, é muito e é vazio, pessoas no vazio. Sim, o melhor das viagens
são as pessoas. Conversas, lugarejos, cerrado, chapada e chegada, eu meio
torta espremida, cochilo enfim, ouvindo Francisco contar histórias de peixes,
rios e indiozinhos que se transformam em estrelas. Hey! Mr. Francisco Boy,
play a song for me.
Texto parte da coletânea Caio em Mim em homenagem a
Caio Fernando Abreu – Oficina Santa Sede - 2018
Adorei!!! Um jeito todo teu de escrever bonito! obrigada
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