Maria Emília Bottini
Gosto de viajar.
Nem sempre isso é possível, mas ao viajar sempre se aprende e
se apreende sobre hábitos, comidas, cultura, vestimentas do local visitado. Geralmente leio antes para
me orientar sobre o que visitar. Viajar é tirar férias da
mesmice, do igual e se possibilitar conhecer algo diferente. Viajei para
Paris tem algum tempo, onde apresentei resultados dos grupos de saúde mental comunitária,
que realizei em um bairro periférico com
mulheres vítimas de violência de toda sorte. Nessa época tínhamos financiamento
de um grupo francês chamado Povo Solidário.
Muito aprendi com aquelas mulheres. As histórias de vida eram partilhadas quando se sentissem à
vontade para falar e havia um colo afetivo encontrado nos braços de outras
mulheres.
A capital da França é adorável. Há uma vasta riqueza
de detalhes das Belas Artes, por todos os espaços que se anda, se vê arte.
Paris é chamada de Cidade Luz, pois durante séculos as mentes mais
iluminadas nas várias artes eram atraídas para lá como os insetos são atraídos
pela luminosidade. Muitos pintores, escultores, músicos, arquitetos,
bailarinos, e outros artistas de todo o mundo se mudavam para lá, o que transformou a
cidade no maior centro de artes do mundo. Van Gogh, Picasso, Santos Dumont,
Chopin, se mudaram em algum momento de suas trajetórias para a bela
Paris.
Ao decolar o avião me despedi da experiência de conhecer
tantas pessoas fazendo coisas lindas e contribuindo em vários aspectos
para a melhoria da vida humana, nas mais diversas áreas: abrigo para mulheres
vítimas de violência, grupos de desempregados, agricultores, escolas de ensino infantil e médio,
centro de atendimento psiquiátrico, casa abrigo, centros comunitários. Enquanto
pensava na experiência vivida, ao olhar pela janela percebi a quantidade imensa de pontos de luz a iluminar Paris. Lembro de ter pensado que
estava também me sentindo mais iluminada por dentro, aliás, ainda me
sinto.
Japoneses são também apreciadores de
viagens pelo mundo a fora. Eles carregam consigo suas câmeras fotográficas e tiram fotos e mais fotos; a eles é atribuída a Síndrome de Paris que designa um distúrbio
psíquico agudo em que os acometidos sofrem alucinações,
desrealização, despersonalização, medo, assim como de sintomas psicossomáticos como
tontura, suor ou taquicardia. O que desencadeia tal síndrome é a violenta diferença entre a imagem de
Paris que os japoneses idealizam antes da viagem e a
realidade da cidade, que se afasta e se diferencia gritantemente da imagem real, a que verificam na prática através das
lentes de suas máquinas fotográficas. Deve-se admitir que a tendência
compulsiva, quase histérica dos turistas japoneses de tirarem fotos, representa
uma reação inconsciente de defesa que visa banir a realidade por meio das belas imagens. As belas, os protegem da realidade nua e crua da realidade da capital francesa.
Seguramente essa síndrome poderá ser estudada e percebida em outros grupos de turistas mundo a fora que, induzidos e iludidos
pelas imagens virtuais, acreditam no que vêm. A realidade não consegue ser escondida, os
problemas saltam aos olhos através de seus clicks
frenéticos como: a sujeira, a pobreza, os mendigos, os imigrantes, os ataques
a bomba, entre outros tantos. O real é sempre mais desafiador de ser entendido e
administrado. Talvez por falta de foto
shop, a realidade é dura, a tendência humana é maquiá-la. Não ver é igual a não
sofrer. Entre o ideal e o real há quilômetros de diferença, o problema
está em o que faremos com a frustração do olhar, os japoneses transformam isso em sintoma.
[Maria Emília Bottini publica no
Rua Balsa das 10 aos Sábados]
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