31 março 2019

SÍNDROME DE PARIS





Maria Emília Bottini



Gosto de viajar.  Nem sempre isso é possível, mas ao viajar sempre se aprende e se apreende sobre hábitos, comidas, cultura, vestimentas do local visitado. Geralmente leio antes para me orientar sobre o que visitar. Viajar é tirar férias da mesmice, do igual e se possibilitar conhecer algo diferente. Viajei para Paris tem algum tempo,  onde apresentei resultados dos grupos de saúde mental comunitária, que realizei em um bairro periférico com mulheres vítimas de violência de toda sorte. Nessa época tínhamos financiamento de um grupo francês chamado Povo Solidário. Muito aprendi com aquelas mulheres. As histórias de vida eram partilhadas quando se sentissem à vontade para falar e havia um colo afetivo encontrado nos braços de outras mulheres. 
A capital da França é adorável. Há uma vasta riqueza de detalhes das Belas Artes, por todos os espaços que se anda, se vê arte. Paris é chamada de Cidade Luz, pois durante séculos as mentes mais iluminadas nas várias artes eram atraídas para lá como os insetos são atraídos pela luminosidade. Muitos pintores, escultores, músicos, arquitetos, bailarinos, e outros artistas de todo o mundo  se mudavam para lá, o que transformou a cidade no maior centro de artes do mundo. Van Gogh, Picasso, Santos Dumont, Chopin, se mudaram em algum momento de suas trajetórias para a bela Paris.  
Ao decolar o avião me despedi da experiência de conhecer tantas pessoas fazendo coisas lindas e contribuindo em vários aspectos para a melhoria da vida humana, nas mais diversas áreas:  abrigo para mulheres vítimas de violência, grupos de desempregados, agricultores, escolas de ensino infantil e médio, centro de atendimento psiquiátrico, casa abrigo, centros comunitários. Enquanto pensava na experiência vivida, ao olhar pela janela  percebi a quantidade imensa de pontos de luz a iluminar Paris.  Lembro de ter pensado que estava também me sentindo mais iluminada por dentro, aliás, ainda me sinto. 
Japoneses são também apreciadores de viagens pelo mundo a fora. Eles carregam consigo suas câmeras fotográficas e tiram fotos e mais fotos; a eles é atribuída a Síndrome de Paris que designa um distúrbio psíquico agudo em que os acometidos sofrem alucinações, desrealização, despersonalização, medo, assim como de sintomas psicossomáticos como tontura, suor ou taquicardia. O que desencadeia tal síndrome é a violenta diferença entre a imagem de Paris que os japoneses idealizam antes da viagem e a realidade da cidade, que se afasta e se diferencia gritantemente da imagem real, a que verificam na prática através das lentes de suas máquinas fotográficas. Deve-se admitir que a tendência compulsiva, quase histérica dos turistas japoneses de tirarem fotos, representa uma reação inconsciente de defesa que visa banir a realidade por meio das belas imagens. As belas, os protegem da realidade nua e crua da realidade da capital francesa. 
Seguramente essa síndrome poderá ser estudada e percebida em outros grupos de turistas mundo a fora que, induzidos e iludidos pelas imagens virtuais, acreditam no que vêm. A realidade não consegue ser escondida, os problemas saltam aos olhos através de seus clicks frenéticos como: a sujeira, a pobreza, os mendigos, os imigrantes, os ataques a bomba, entre outros tantos. O real é sempre mais desafiador de ser entendido e administrado.  Talvez por falta de foto shop, a realidade é dura, a tendência humana é maquiá-la. Não ver é igual a não sofrer. Entre o ideal e o real há quilômetros de diferença, o problema está em o que faremos com a frustração do olhar, os japoneses transformam isso em sintoma. 



 [Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados] 

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