Maria Emília Bottini
Trabalhei
na Clínica Ser Saúde Mental em Brasília por algum tempo e desenvolvi atividades, com alguns
grupos terapêuticos, as quais se tornaram experiências gratificantes e ricas em
aprendizagem pessoal e profissional; os pacientes foram meus melhores mestres a
quem tenho gratidão.
Muitos
pacientes passaram por esses grupos, seja na modalidade de internação ou mesmo
em clínica dia. Alguns pacientes marcaram minha trajetória por seus sofrimentos
psíquicos, mas também por suas histórias de vida e humor característico. O
humor de alguns me encantava. O riso torna a vida um pouco mais palatável e
conseguirmos rir de nós mesmos, talvez tornemos as coisas um pouco mais leves.
Em
uma manhã de maio, no início dos trabalhos de um grupo, um paciente idoso já
com seus cabelos brancos, de riso fácil,
cantor de Raul Seixas e tocador de violão, encontrava-se internado havia
algum tempo pergunta-me: - Psicóloga,
posso contar uma piada? Acenei afirmativamente com a cabeça, ainda tínhamos
tempo antes do início.
O
paciente então nos conta em tom bem-humorado e interpretação que lhe era
peculiar a seguinte piada.
Era uma vez um doído que estava
internado em um Hospital Psiquiátrico e não reagia a nenhum tratamento
proposto. Seu psiquiatra já estava perdendo as esperanças, tempos depois o
encontra sentado à mesa escrevendo uma carta.
O psiquiatra, interessado, comenta.
- Pelo que vejo você está melhorando.
Sim, me sinto melhor - responde o
doído.
O psiquiatra comenta: vejo que você
está escrevendo uma carta e para quem está escrevendo?
Estou escrevendo para mim -
responde o doído.
E o que está escrito nesta carta?
Não sei, ainda não recebi.
Eu
e os demais participantes do grupo rimos.
Aproveitei
a piada e comentei que por vezes as mensagens que enviamos para nós mesmos não
são compreendidas, pois somos seres complexos, não complicados. Entender-nos é
uma tarefa difícil e de longo prazo.
Quando
nos tornamos pacientes, precisamos assumir a condição de que as mensagens que
enviamos a nós mesmos, não sabemos
interpretá-las, é preciso que alguém nos auxilie a entendê-las ou mesmo as
interprete.
O
fato de desconectarmos de nossas mensagens, pode nos levar a internações em
clínicas de saúde mental onde somos convidados a entender a nós mesmos. O que e
porque estamos enfrentando tal dificuldade pode ser revelada a partir de
atividades em grupo onde ouvir o outro, como uma paciente disse: “o outro sou
eu”, pode ajudar a dar-se conta de seu viver, ou mesmo em atendimentos
individuais com profissionais da área psi, seja psicólogo ou psiquiatra.
Muitos
foram os pacientes que traziam o relato de se esquecer de si mesmos durante
anos de suas vidas. Fazendo o que o pai, a mãe, os maridos, as esposas ou mesmo
filhos desejam, muitas vezes o seu desejo ia sendo adiando, a espera por uma
ocasião especial ou tempo propício para aparecer, mas nunca surgindo causando o
adoecimento da mente por abandono de suas próprias vontades.
Enquanto
a vida segue, as cartas são enviadas para um lugar que não acessamos,
desconectados ficamos do que podemos e devemos ser, dessa forma vamos
construindo nossos manicômios internos sem possibilidade de alta, muitas vezes,
porque não conseguimos mais ler ou mesmo entender nossas mensagens, pois nosso
decodificador não entende, não assimila.
Paradas
obrigatórias se fazem necessárias para que possamos nos resgatar de nosso
abandono por meio do humor. Rir de nossas próprias adversidades talvez seja
porque os comediantes são devastadores, nos fazendo rir de nós mesmos.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados]
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