13 abril 2019

MENSAGEM PARA SI MESMO



Maria Emília Bottini

Trabalhei na Clínica Ser Saúde Mental em Brasília por algum tempo e desenvolvi atividades, com alguns grupos terapêuticos, as quais se tornaram experiências gratificantes e ricas em aprendizagem pessoal e profissional; os pacientes foram meus melhores mestres a quem tenho gratidão.
Muitos pacientes passaram por esses grupos, seja na modalidade de internação ou mesmo em clínica dia. Alguns pacientes marcaram minha trajetória por seus sofrimentos psíquicos, mas também por suas histórias de vida e humor característico. O humor de alguns me encantava. O riso torna a vida um pouco mais palatável e conseguirmos rir de nós mesmos, talvez tornemos as coisas um pouco mais leves.
Em uma manhã de maio, no início dos trabalhos de um grupo, um paciente idoso já com seus cabelos brancos, de riso fácil,  cantor de Raul Seixas e tocador de violão, encontrava-se internado havia algum tempo pergunta-me: -  Psicóloga, posso contar uma piada? Acenei afirmativamente com a cabeça, ainda tínhamos tempo antes do início.
O paciente então nos conta em tom bem-humorado e interpretação que lhe era peculiar a seguinte piada.
Era uma vez um doído que estava internado em um Hospital Psiquiátrico e não reagia a nenhum tratamento proposto. Seu psiquiatra já estava perdendo as esperanças, tempos depois o encontra sentado à mesa escrevendo uma carta.
O psiquiatra, interessado, comenta. - Pelo que vejo você está melhorando.
Sim, me sinto melhor - responde o doído.
O psiquiatra comenta: vejo que você está escrevendo uma carta e para quem está escrevendo?
Estou escrevendo para mim - responde o doído.
E o que está escrito nesta carta?
Não sei, ainda não recebi.
Eu e os demais participantes do grupo rimos.
Aproveitei a piada e comentei que por vezes as mensagens que enviamos para nós mesmos não são compreendidas, pois somos seres complexos, não complicados. Entender-nos é uma tarefa difícil e de longo prazo.
Quando nos tornamos pacientes, precisamos assumir a condição de que as mensagens que enviamos a nós mesmos,  não sabemos interpretá-las, é preciso que alguém nos auxilie a entendê-las ou mesmo as interprete.
O fato de desconectarmos de nossas mensagens, pode nos levar a internações em clínicas de saúde mental onde somos convidados a entender a nós mesmos. O que e porque estamos enfrentando tal dificuldade pode ser revelada a partir de atividades em grupo onde ouvir o outro, como uma paciente disse: “o outro sou eu”, pode ajudar a dar-se conta de seu viver, ou mesmo em atendimentos individuais com profissionais da área psi, seja psicólogo ou psiquiatra.
Muitos foram os pacientes que traziam o relato de se esquecer de si mesmos durante anos de suas vidas. Fazendo o que o pai, a mãe, os maridos, as esposas ou mesmo filhos desejam, muitas vezes o seu desejo ia sendo adiando, a espera por uma ocasião especial ou tempo propício para aparecer, mas nunca surgindo causando o adoecimento da mente por abandono de suas próprias vontades.
Enquanto a vida segue, as cartas são enviadas para um lugar que não acessamos, desconectados ficamos do que podemos e devemos ser, dessa forma vamos construindo nossos manicômios internos sem possibilidade de alta, muitas vezes, porque não conseguimos mais ler ou mesmo entender nossas mensagens, pois nosso decodificador não entende, não assimila.
Paradas obrigatórias se fazem necessárias para que possamos nos resgatar de nosso abandono por meio do humor. Rir de nossas próprias adversidades talvez seja porque os comediantes são devastadores, nos fazendo rir de nós mesmos.




[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados]

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