07 abril 2019

UMA AMIZADE DIFERENTE


Maria Emília Bottini


Max e Mary, uma amizade diferente (2009), do diretor e roteirista australiano Adam Elliot, que em entrevista afirmou ter se inspirado em seu amigo de correspondência nova-iorquino, é um filme de incrível sensibilidade e dimensão humana à flor da pele.
Embora seja uma animação, o que dá a impressão que é direcionada apenas para crianças, são as crianças maiores que devem assisti-lo e refletir a quem esta animação se dirige, pois seu conteúdo é contundente e extremamente delicado para ser visto pelos pequenos.
Uma história que emociona por tratar das diferenças e o quão diversos são os seres humanos, inclusive nas múltiplas diversidades.
Mary Dinkle é uma menina de oito anos, que vive nos subúrbios de Melbourne, gordinha e solitária, ela tem uma marca de nascença na testa, sofre preconceito na escola por conta disto. Seus pais são ausentes e negligentes em sua educação, mãe alcoólatra e pai viciado em hobbys.
Um dia ela sorteia nos catálogos dos correios um nome e passa a escrever cartas para esse endereço em Nova Iorque perguntando sobre os bebês e se na América eles também surgem no fundo de canecas de cerveja, como sua mãe havia lhe contado; enfim, perguntas de menina que não tem as respostas para suas  dúvidas .
Em outro continente, na cidade de Nova York, Max Horovitz, o destinatário das cartas, já com quarenta e quatro anos, tem em comum com sua nova amiga a solidão. É obsesso, não trabalha e vive em seu apartamento.  Sua vida se resume a comer chocolates e ver os desenhos na televisão de The Noblits.  Ele é portador da síndrome de Asperge, não é idiota, apenas não consegue estabelecer relações sociais ou entender as relações humanas.
Uma história que trata da amizade apesar da diferença de vinte anos entre duas pessoas completamente diferentes e que através das cartas entendem o mundo que os circunda, explorando temas como: Asperge, o alcoolismo, de onde vêm os bebês, obesidade, cleptomania, diferenças sexuais, confiança, diferenças religiosas e tantas outras.
A amizade pelas trocas de cartas onde Mary confidencia detalhes de sua rotina de violência sofrida na escola, o bullying e o prazer que encontra em uma lata de leite condensado, enquanto Max revela seus três objetivos na vida: conseguir a coleção completa de bonecos dos Noblits, ter uma fonte de chocolate e encontrar um amigo.
Mary cresce, casa-se e por fugazes momentos tem sucesso em seu casamento, o que não dura muito.  Estuda melhor a síndrome que seu amigo é acometido, publicando um livro que abala sua amizade por longos anos, pois Max se sente traído em suas confidências. Quando Mary resolve que já era tempo de rever o mal entendido entre os dois antes de tornar-se tarde demais, viaja para conhecê-lo pessoalmente, no entanto se depara com uma triste surpresa.
Mas às vezes é tarde demais porque a morte faz parte da vida. Às vezes, não podemos consertar um mal entendido porque uma das partes se foi, ficando a dor e a tristeza da perda. Apenas lamentando-se por não ter dado os primeiros passos antes, não ter cedido, teria sido tão bom pedir desculpas e ser desculpada, mas às vezes perdemos a chance e o que resta é conviver com este lamento.
Essa relação entre os dois nos faz entender e aceitar a amizade e os amigos como irmãos que escolhemos para conviver, pessoas de carne e osso a quem muitas vezes dividimos nosso bem e mal-estar, nossas conquistas e decepções, nosso casamento em alta e nossas separações em baixa, sonhos sonhados e frustrações permanentes; enfim, compartilhamos uma vida que se estreita entre os dias numa rapidez que assusta.

[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos sábados].

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