Maria Amélia Mano
Nascido Valdomiro Silva
dos Santos, por causa do comprimento do pescoço, era conhecido por Pescoço.
Filho da Dona Gilda, do Morro das Garrafas e de Ogum, Pescoço virou mito. Não
porque era cruel ou porque morreu novo que isso era sina de quase todos ali.
Mas por causa do feitiço errado, da coisa feita mal feita. Feita por amor. Assim
me contaram.
Pescoço pediu desgraça.
Deixou de usar patuá, desrespeitou dia de obrigação, atrasou despacho. Guia e
Santo também têm limite. Até pra ele que nasceu bonito, grandes olhos azuis,
namorador. Começou pequeno já no sucesso, o melhor aviãozinho da parada, disseram.
Virou patrão cedo, dono das melhores bocas, o melhor bagulho da cidade, os
mocós mais sinistros.
Mas veio ação e bicho
pegou na quebrada. Era caveirão, camburão, três oitão, uma bala e já era. Toda
gente lembra que velório tava lotado. Dona Gilda chorando, tiros no ar da
facção, bandeira do Brasil da escola a meio pau e a do time da várzea cobrindo
caixão. Ainda, três amantes histéricas. Sueli, a Saltinho, passista de escola
de samba, ciumenta, barraqueira, era a mais sentida.
Dia seguinte, contam,
apareceu ganso branco de olho azul e violento no morro. Tocou terror. Povo
desconfiou e Saltinho confessou: pagou mandiguento pra fazer trabalho em
encruzilhada. Queria Pescoço só pra ela. Mas a galinha preta tinha mancha e deu
ruim. Trabalho barato dá nisso. O corpo de Pescoço se foi, mas a alma encarnou
no ganso que é bicho de só um amor pra vida toda.
Assim, Dona Gilda passou
a chamar ganso de Valdomiro, antigos parsas de patrão, cada amante de um
apelidinho carinhoso e a comunidade de Pescoço. Até a polícia reconhecia e
fazia reverência. Foi quando Pescoço, o ganso, voou para o sul. Saltinho,
então, se converteu pra Igreja Universal e a cada mudança de estação, olha o céu
cheia de fé e tem certeza: Ele voltará.
Texto produzido na Oficina Santa Sede
Circuito
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