Maria Amélia Mano
A gente quer vida imensa,
intensa, que brilhe, ofusque com história fantástica e trilha suntuosa. Coisa
de filme épico que é pra combinar com nossos feitos heroicos, nossos mil amores
declarados em grande estilo. Por mais que eu tenha sonhado isso na
adolescência, não rolou. E me encontrei com essa vida minha, essa canção minha,
cançãozinha, tão simples, mas tão simples que se pode tocar em dois acordes.
Moraes fez a melodia,
Pepeu os arranjos. Letra sem sentido, desconexa, repetitiva de um Galvão
magoado. Fala de um amor que terminou. A menina negra que morava em Niterói.
Menina que ele chamava enquanto corria a barca pra se encontrarem. Coisa meio
tolinha em tempos de ditadura de letras elaboradas, sentidos ocultos pra
esconder subversões. Tempo de grandes canções, grandes nomes, tudo surgindo.
Elis cantando Casa de
Campo, Paulinho da Viola em sua Dança da Solidão, Chico, Nara e Bethânia em
Quando o Carnaval Chegar, Milton e o Clube da Esquina nascendo, em 1972, junto
comigo. Em seguida, nasce minha irmã, clara, loira. Inevitável ela ficar a
branquinha e eu, a pretinha, preta-pretinha. Simples, como o toque do bandolim
de Pepeu, dando leveza ao pássaro que vive avoando.
Bem mais leve foi a
promessa que minha mãe fez pra engravidar de mim. Não, nada de joelhos nas
escadarias da Basílica de Aparecida, nada de vestir marrom todo dia vinte pelo
Padre Cícero. Só, somente só não tomar café por um ano. Não foi exatamente um
sacrifício. Tudo bem. Não sou adepta de privação de desejo, essa coisa de sangue,
suor e lágrimas. Talvez, por isso, amo cafeterias e cheiro de café.
E entre um café e outro,
tempos, encontros, distâncias, saudade que peço pra não me matar, maturidade.
Aprendi que música da vida não precisa ser samba-enredo pra ser história, sinfonia
pra ser rara, protesto pra ser revolucionária. Amor bom é o calmo. Refrão bom é
o que cantamos juntos, fácil, quase infantil, essência, simplicidade doce que busco
ter e ser sempre quando sonho: abre a porta e a janela e vem ver o sol nascer.
Imagem: Arnaldo Baptista
Oficina Santa Sede
Circuito: Recordar
em forma de crônica uma ou mais músicas que marcaram sua vida.
Minha Preta-pretinha se tornou uma mulher inteligente, humana e amorosa em tudo o que faz. Além disso, é uma poeta na vida e nas letras! Não sei escrever bonito como tu, mas sabes que te amo e te admiro muito.
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