Maria Emília Bottini
Gosto de
pensar que o tempo passa por nós, por vezes sentimos e percebemos outras não,
pois estamos desatentos fazendo coisas, enquanto isso a vida acontece.
Estava
atendendo uma paciente e já finalizando sua sessão de terapia quando ela comentou
que seu horário já havia terminado, esse foi um daqueles dias em que não percebi
o tempo passar. Eu observei o relógio e de fato a sessão já tinha finalizado.
Acompanhei a paciente, bastante debilitada, até a recepção onde estava sua
cuidadora. Chega uma fase da vida em que precisamos ser cuidados, pois as
doenças nos atingem e perdemos nossa autonomia. Nem sempre é um processo fácil
ser cuidado por um outro que é desconhecido, visto que há despreparo na
aprendizagem do cuidado, muitas vezes feito apenas para garantir um dinheiro
para comprar objetos.
Voltei
para minha sala, tomei um copo de água, respirei profundamente, pois diante de
alguns relatos de vida e sofrimento nos sentimos impotentes para ajudar, é
assim com todos. Sentei-me e, enquanto aguardava o outro paciente chegar, fechei
os olhos por alguns instantes e tive a visão de um pequeno relógio, um despertador
vermelho e pensei: meu tempo é vermelho, naquilo chegou o outro paciente.
Sou fã
do vermelho, a cor mais quente. A cor vermelha
significa paixão, energia e excitação. É uma cor quente. Está associada ao
poder, à guerra, ao perigo e à violência. O vermelho é a cor do elemento fogo,
do sangue e do coração. Simboliza a chama que mantém vivo o desejo, a excitação
sexual e representa os sentimentos de amor e paixão. Eu brinco com amigos que
quando não quero aparecer ou mesmo ser vista eu uso o vermelho.
Anunciei
para algumas pessoas, naquele dia, que meu tempo é vermelho, isso ocorreu em
uma sexta-feira. No sábado à noite, combinei que levaria minha amiga que tem
câncer para um aniversário e que a buscaria, mas ela veio até minha casa, não
precisei buscá-la. Minha amiga saiu de casa para comprar alguns esmaltes, sua
vaidade ainda está viva em seu corpo fragilizado.
Fala-me
que está cansada, que não deseja mais fazer a quimioterapia, mas que tem medo
das dores que poderão advir, que seus médicos lhe falaram que isso não vai
melhorar sua situação e que apesar de saber, isso não a impede de sofrer.
Comenta
que ficou na cama dois dias sem forças para fazer nada após a conversa com sua
médica, suas forças estão diminuindo. Comenta que sua alimentação está cada vez
mais difícil e delicada. Que sente náuseas só em pensar que precisa fazer
quimioterapia na semana que vem.
Escutei
sua dor e suas limitações diante do fim eminente, nossa conversa foi profunda e
demorada.
Contei-lhe
do meu tempo vermelho. Sinalizei para ela que era nisso que deveria concentrar-se
dali para frente: no seu tempo vermelho, que é preciso investir a energia em
algo que dê sentido e importância nestes últimos momentos do existir.
É
preciso fazer escolhas, é preciso estar com quem ela ama e lhe faça bem. É
preciso decidir sobre bens matérias e imateriais. É necessário resolver pendências
emocionais, financeiras. É preciso se recolher e se poupar de situações que a
aborrecem e a deixem triste. É preciso se afastar de pessoas tóxicas e amargas,
que por vezes ferem a alma, mesmo que sejam os entes queridos, nem tão queridos
e por vezes apenas entes. É preciso decidir sobre os gatos. É preciso falar dos
sentimentos e da dor de partir. É preciso viver intensamente. É preciso
despedir-se dos que lhe são caros.
Fomos ao
aniversário e ao chegar ao local cumprimentamos a aniversariante e alguns amigos.
Sentamo-nos e juntas olhamos para a parede, lá estava um belo relógio vermelho
a marcar nossos tempos de vida.
Ambas
rimos e entendemos que o universo estava a nos dar um recado: Carpe Diem -
expressão em latim que significa "aproveite o dia", não se
refere a aproveitar um dia específico, mas tem o sentido de desfrutar ao máximo
o agora, apreciar o presente. Termo escrito pelo poeta latino Horácio, no Livro
I de Odes, ele aconselha sua amiga Leucone: “... carpe diem, quam minimum crédula postero", em uma tradução
possível “... colha o dia de hoje e confie o mínimo possível no amanhã”.
Enquanto
estivermos vivos podemos fazer nossas escolhas por viver o vermelho, ou o
cinza, o colorido ou o preto e branco, cores do tempo que passam para todos
nós. Aproveite da melhor forma possível seu tempo seja da cor que ele for.
[Maria Emília Bottini publica no
Rua Balsa das 10 aos Sábados]
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