Maria Amélia Mano
Palco de madeira de
caixote, triângulo e rabeca desafinada, olhos grandes de meninos no chão
esquecido. Seca, sertão. Cabeça de madeira talhada, corpo de chita, trancelim,
fuxico, renda, rima e sonho só ela só: Flô, mamulenga. Tantas quadrilhas,
bandeirinhas e balão no céu, procissão, algodão doce, maçã do amor, zabumba, fogueira,
padroeira. Flô dançava
sozinha nessa vida cinza feita de açoite de trovão de destino.
Bonequeira movimentava
fantoche. Cantiga e verso mudado na hora conforme riso e susto de menino.
Repente, enredo escrito na palma da mão da memória em kombi mambembe enfeitada
de fita, pó de histórias, pote de barro, roça de milho, caatinga. Entranhada de
xique-xique. Atravessada de mandacaru, sede e fome de alegria. Flô dançava
sozinha nessa vida de terra rachada cheia de nódoa de fruta arrancada a facão.
Sanfona de fole
distorcido, aperreado, baião sem sentido. Bonequeira bebeu cachaça em cabaça. Esqueceu
Flô em balaio de palha. Mascate levou em cangalha de jegue mais rapa-dura pra
vender na feira. Semvegonhagem de rala-buxo arrochado com quenga, Mascate perdeu
pra Jagunço que largou roubo em beira de cacimba. Achou sem valor, sentiu gastura
de doçura que nunca teve e nem queria ter na vida. Acauã cantou e Flô se viu
mais sozinha sem dança nessa vida esturricada pilada de tristezura.
Olhou pra baixo e reflexo
da água pouca era gente conhecida: Saci Pererê, ET de Varginha, Vaqueiro,
Lampião, Padre Cícero, Seu Lunga, Pavão Misterioso, Zé Grilo, Chicó, até o
Diabo e a Morte. Com trouxa de retalho, fugiram todos do cordel. Queriam outro
fim pra poesia, outra sina, saga, mote, viola, canto de curió. Cansaram da lida
no escuro da cacimba, esconderijo e calabouço, sem lamparina. Vida bagaço seco de
existência.
Era manhãzinha de noite
enluarada que ainda enfeitava céu. Flô insistiu no existir mais doce. Beija-flor
azul louco e lírico buscava colorido de pétala e doçura de néctar. Se enganou, se
aprochegou, errou e triscou. Beijou Flô vestida de chita, lambuzada de
rapa-dura. Ao longe, um pífano fez abrir rosa amarela, janela em casa de taipa,
sorriso em moça triste, sabiá cantou. Choveu.
Aquele mundo gasto e tosco nunca mais foi o mesmo.
Transbordou água de
cacimba. Povo saiu sem Bonequeiro e fez festa sem história pronta, sem verdade
certa, sem final sabido, sem definido, sem definitivo, surpresa que é sustância
de alma, farinha. Palcos de madeira de caixote foram alegrar meninos e sertões.
Flô presepeira, arretada dançava não, pulava não. Flô avoava em canto doce de
asa azul. A mamulenga avoava nessa vida cheia de encontro, cantoria e beijo de
mel de amor.
Texto da Oficina Santa Sede Circuito
Texto da Oficina Santa Sede Circuito
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