Maria Emília Bottini
Sou psicóloga tem algum tempo, porém
nunca paro de me indignar com algumas coisas que vejo na vida que os dias levam,
penso que, enquanto me indignar, ainda é uma forma de existir, ainda sou
humana. Quantas coisas para nos indignar em uma vida, pessoas, cidades, campos,
trabalhos, escolas, universidades; enfim, nos lugares onde estamos.
Esses dias estava dando aula e meus
alunos comentaram que os seres humanos são seres racionais e eu respondi numa provocação
dizendo que tinha dúvidas se no momento éramos mesmo seres racionais e se isso
ainda poderia ser o critério para nos diferenciar dos animais, e que estávamos nos
desumanizando e que era visível nossa degradação.
Um aluno concordou comigo e disse: “Professora,
eu vejo cada coisa nos ônibus.” Conta-nos que sempre pega ônibus no mesmo
horário e com as mesmas pessoas todos os dias e um senhor de idade, ao entrar no
veículo, se deparou com adolescentes universitários sentados no banco preferencial,
ele então pediu educadamente o lugar para se sentar, visto como dirigem os
motoristas, era urgente seu pedido, no entanto, o que ouviu e sentiu não foi
humanidade e sim crueldade, quando um dos adolescentes lhe disse: “Você está
velho, por que não fica em casa em vez de andar de ônibus por aí? Teu lugar não
é aqui, o que pensa que está fazendo?”
Nenhum humano presente à cena abriu sua
boca para dizer absolutamente nada, talvez estejam tão desumanizados que
entendemos que não é necessário falar, pois cada um no seu quadrado como diz a
música, cada um com seu umbigo a viver sua vidinha cômoda e medíocre, a fazer
de conta que não vê, não ouve e não se importa. É apenas um idoso pedindo um
lugar para sentar, nada mais.
Qual a ideia que nossos jovens têm de
idosos? A de que devem estacionar e morrer em suas casas, sem vida social, sem
andar de ônibus ou qualquer meio de locomoção a fazer nada para seu tempo
passar.
Não se iludam: são e estão jovens hoje
no aqui e agora, mas estão envelhecendo seus corpos e ideias, penso que estas
já estejam bastante envelhecidas pelo preconceito de um mundo que valoriza o
belo, o jovem, o moderno.
Quanta indignação causou em mim a
desumanidade desses jovens universitários. Não seria o papel da universidade
desenvolver a humanidade no ser? Será que realmente o que apenas importa é o
pagamento no final do mês, tão somente, sem acréscimos em sua formação humana e
pessoal?
Parece-me tão pouco diante do grande e
necessário objetivo da educação que é o de apresentar outro mundo possível para
o que nela transitam e sentam-se em seus bancos por longos anos, para além de
conteúdos estabelecidos em programas engessados.
Claro que alguns vão pensar que a
universidade tem seus limites, sim e eu concordo, mas algo falhou na formação
para a civilidade desses jovens e onde vão adquirir tal formação? Estão se
formando nas mais diversas áreas do conhecimento para que exatamente, para
maltratar pessoas no transporte público? Para operar a perna errada? Para
arrancar todos os dentes da boca de um deficiente mental? Para desmerecer
sofrimento psíquico? Que humanidade é essa? Que humanos estamos formando e
educando? Estamos nos tornando seres invisíveis?
Avançamos a passos largos em
desumanidade que, se alguém tem uma atitude mais gentil, assustamos como o povo
por aqui diz. Sim, o susto é porque não estamos acostumados com pequenas
gentilezas espontâneas, permitir que alguém se sente no banco porque estão
frágeis suas forças, deixar a vez no trânsito, fazer elogios sinceros, dar a
mão quando alguém cai, dar um bom dia...
Onde vamos resgatar nossa humanidade
perdida e tratarmos humanos como humanos?
Será que estou delirando e isso também
já não nos pertence mais? Nós nos desumanizamos e temos dificuldade de nos
rever e mudar, visto que é necessário reverter atitudes e preconceitos. E por que não nos desculpar por sermos o que
somos, ou seja, ocos por dentro?
[Maria
Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados]
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?