Maria Emília Bottini
O fotógrafo James Mollison[i]
fotografou quartos de crianças pelo mundo e o transformou em livro, resume em
imagens o que sabemos de cor e salteado, a infância transita entre o pouco e o bastante,
onde uns podem se dar ao luxo de dormir muito bem obrigado, já outros nem
tanto, onde uns não tem o nada absoluto como consolo e outros o muito absoluto de
tudo.
O quarto de uma
menina de
quatro anos, de Tóquio, é forrado do chão ao teto com roupas e bonecas. Ela
possui trinta vestidos todos feitos pela mãe, casacos e também possui trinta
pares de sapatos, perucas e muitos, muitos brinquedos.
Outra menina, também
de
quatro anos, vive em Kentucky. Seu quarto é cheio de coroas e faixas que ela
ganhou em concursos de beleza, onde já participou de mais de cem competições.
São necessários tantos calçados para
apenas dois pés? Tantas roupas para apenas um corpo? Tantos concursos para uma
beleza que é efêmera? O que exatamente
nós adultos estamos fazendo com nossas crianças? Que tipo de ser humano serão
com tantos excessos? Que sensibilidades estarão desenvolvendo em seres tão
facilmente manipuláveis? Que consciências de beleza, de consumo e de vida
construirão?
Pois bem, mas temos o outro lado dessa
mesma infância, a negligenciada, silenciada e esquecida.
Um menino de oito anos que vive nos arredores
de Phnom Penh, sua casa fica em um depósito de lixo enorme. Seu colchão é feito
de pneus velhos. Desde os seis anos, todas as manhãs, ele e centenas de outras crianças
recebem um banho em um centro de caridade local, antes de começar a trabalhar,
juntando latas e garrafas de plástico, que são vendidos para uma empresa de
reciclagem.
Ou mesmo uma menina de sete anos, de
Kathmandu. Sua casa tem apenas um quarto, com uma cama e um colchão. Na hora de
dormir, as crianças compartilham o colchão no chão. Trabalha em uma pedreira de
granito local desde os três anos, trabalha seis horas por dia.
O que a falta de tudo provoca numa
criança em tão tenra idade? Que revoltas essas faltas podem lhe causar em seu
pequeno coração? Que mundo introjetam em si? Que sentimentos desenvolvem por
essa sociedade em que vivem? Como construirão sua trajetória de vida tendo a
rua, a calçada como abrigo? Conforme a música do Nenhum de nós (Jornais) “... a
calçada não é casa, não é lar, não é nada”. Que consciência de si e dos outros
se forma a partir da ausência de tudo?
Parece que temos dificuldade de
entender que criança é o futuro, mas que futuro será esse? A forma como estamos
lidando com as crianças, tanto as que têm muito, quanto as que não têm nada demonstra
que não estamos sendo bons educadores, boas pessoas, ou pecamos pelo excesso ou
pela falta. Ambas as formas são perigosas.
Apenas posso perguntar em que
humanos estamos transformando nossas crianças? Que humanidade se forma a partir
do tudo e a partir do nada? Alguma humanidade é gerada, insensível/sensível,
amorosa/rancorosa, pacienciosa/guerreadora.
São perguntas
que não querem calar ou aquietar-se, não sei a resposta, mas as saberei nas
idas e vindas dos dias vividos.
[Maria
Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados]
[i] Onde
as crianças do mundo dormem. Disponível em: http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=18326#ixzz1Rl4DKhe4.
Acesso em: 20 jun. 2019.
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