20 julho 2019

ONDE DORMEM AS CRIANÇAS

    Fonte: James Mollison

Maria Emília Bottini


O fotógrafo James Mollison[i] fotografou quartos de crianças pelo mundo e o transformou em livro, resume em imagens o que sabemos de cor e salteado, a infância transita entre o pouco e o bastante, onde uns podem se dar ao luxo de dormir muito bem obrigado, já outros nem tanto, onde uns não tem o nada absoluto como consolo e outros o muito absoluto de tudo.
O quarto de uma menina de quatro anos, de Tóquio, é forrado do chão ao teto com roupas e bonecas. Ela possui trinta vestidos todos feitos pela mãe, casacos e também possui trinta pares de sapatos, perucas e muitos, muitos brinquedos.
Outra menina, também de quatro anos, vive em Kentucky. Seu quarto é cheio de coroas e faixas que ela ganhou em concursos de beleza, onde já participou de mais de cem competições.
São necessários tantos calçados para apenas dois pés? Tantas roupas para apenas um corpo? Tantos concursos para uma beleza que é efêmera?  O que exatamente nós adultos estamos fazendo com nossas crianças? Que tipo de ser humano serão com tantos excessos? Que sensibilidades estarão desenvolvendo em seres tão facilmente manipuláveis? Que consciências de beleza, de consumo e de vida construirão?
Pois bem, mas temos o outro lado dessa mesma infância, a negligenciada, silenciada e esquecida.
Um menino de oito anos que vive nos arredores de Phnom Penh, sua casa fica em um depósito de lixo enorme. Seu colchão é feito de pneus velhos. Desde os seis anos, todas as manhãs, ele e centenas de outras crianças recebem um banho em um centro de caridade local, antes de começar a trabalhar, juntando latas e garrafas de plástico, que são vendidos para uma empresa de reciclagem.
            Ou mesmo uma menina de sete anos, de Kathmandu. Sua casa tem apenas um quarto, com uma cama e um colchão. Na hora de dormir, as crianças compartilham o colchão no chão. Trabalha em uma pedreira de granito local desde os três anos, trabalha seis horas por dia.
            O que a falta de tudo provoca numa criança em tão tenra idade? Que revoltas essas faltas podem lhe causar em seu pequeno coração? Que mundo introjetam em si? Que sentimentos desenvolvem por essa sociedade em que vivem? Como construirão sua trajetória de vida tendo a rua, a calçada como abrigo? Conforme a música do Nenhum de nós (Jornais) “... a calçada não é casa, não é lar, não é nada”. Que consciência de si e dos outros se forma a partir da ausência de tudo?
            Parece que temos dificuldade de entender que criança é o futuro, mas que futuro será esse? A forma como estamos lidando com as crianças, tanto as que têm muito, quanto as que não têm nada demonstra que não estamos sendo bons educadores, boas pessoas, ou pecamos pelo excesso ou pela falta.  Ambas as formas são perigosas.
            Apenas posso perguntar em que humanos estamos transformando nossas crianças? Que humanidade se forma a partir do tudo e a partir do nada? Alguma humanidade é gerada, insensível/sensível, amorosa/rancorosa, pacienciosa/guerreadora.
 São perguntas que não querem calar ou aquietar-se, não sei a resposta, mas as saberei nas idas e vindas dos dias vividos.


[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados] 




[i] Onde as crianças do mundo dormem. Disponível em: http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=18326#ixzz1Rl4DKhe4. Acesso em: 20 jun. 2019.

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