Maria Emília Bottini
Desenvolvo
em Erechim (RS), um projeto chamado No
cinema e na vida, no qual são exibidos filmes e, logo após, ocorre uma ‘conversa
compartilhada’, como chamou uma participante, que dá o tom aos encontros.
Encerramos no dia 27 de dezembro de 2017 a última sessão do ano com o
curta-metragem ganhador do Oscar de melhor animação de 2012, Os fantásticos livros voadores do Senhor
Lessmore (2011). O cerne dessa animação está no conhecimento da escrita, que
passa de geração em geração, e aborda também a capacidade que o livro tem de se
tornar imortal e atravessar os tempos. É só observar em tempos de guerra quem
se torna um vilão a ser combatido: os intelectuais e os livros são enviados às
fogueiras, pois representam sérias ameaças, são muito perigosos.
Uma
das participantes, já idosa, destacou que na cidade de Erechim não há nenhuma
livraria e que isso é muito ruim, mas que há uma quantidade imensa de farmácias.
Auto-questiona-se e nos questiona se de fato haveria tantos doentes assim...
Outra participante comentou que há apenas um sebo resistindo ao tempo, mas que
os preços eram impraticáveis que não entendia a razão de tal fato.
Um
senhor que, silenciosamente, acompanhava as falas ergueu a mão e questionou se
a gente abriria uma livraria nos tempos em que se precisa de dinheiro para
pagar as contas, ninguém abre um negócio para ser altruísta, visto que não há
almoço gratuito. Há demanda para livros? Quem lê livros hoje?
Ficou
claro entre uma fala e outra que estamos optando por farmácias e não por
livrarias ou livros. Quem é professor sabe que é muito difícil hoje fazer com que
os estudantes, sejam eles do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, universitários
ou de Pós-graduação leiam e, se lêem, não conseguem traduzir em entendimento, em
compreensão o que leram. Há muito o texto escrito compete com as imagens
perdendo sua força de cativar. Não ler não significa não escrever, pois com o
advento das tecnologias digitais, nunca as pessoas escreveram tanto, a questão
é: o que escrevem se não lêem?
Por
que farmácias? Nas farmácias tem os remédios, os cosméticos, a ilusão da cura,
do estar bem o tempo todo ao alcance da mão, ops, do bolso e haja bolso.
Geralmente os remédios são receitados por médicos ou por si mesmo
(automedicação), é condição para a melhora tomá-los e o alívio da dor virá e
senão vir, outros estarão à disposição.
E
os livros? Ah! Os livros eles nos provocam, incomodam, por vezes são complexos
e tem pré- requisitos para serem digeridos: precisamos saber o alfabeto, saber juntar as
letras e depois entender as palavras, as frases, as linhas, as entrelinhas, o
texto, o contexto e o além texto... Isso dá trabalho e requer tempo. Precisamos
ser alfabetizados para ter os livros em mãos e entendê-los. Quando temos essa
condição eles nos oferecem possibilidades e, se nos permitirmos, descobriremos
um mundo para além do nosso umbigo tão pequeno.
Certa
vez li o livro Paula de Isabel Allende, uma grande autora, que
escreve sobre a dor da perda de sua filha por erro médico. Esse livro ficou na
minha memória, porque imaginei cada pequeno prazer e cada sofrimento vivenciado
pela autora. Um livro difícil de ler, mas que faz a gente compreender o luto da
perda de uma filha e a elaboração que vai acontecendo até a autora se permitir despedir-se
da filha que já não vive mais.
Tinha
uma professora no meu mestrado que dizia que dividia os livros em duas
possibilidades: os para a felicidade e os para o conhecimento, estes nem sempre
vão nos deixar você bem após a leitura. Muitos foram os livros que li e me deixaram
angustiada, desacomodada e com a esperança diminuída. Linchamentos: a justiça popular no Brasil que trata de como somos
seres violentos e matamos, ou melhor, linchamos outros humanos. Holocausto Brasileiro que narra as
aberrações no Hospício de Barbacena em Minas Gerais e como conseguimos
trancafiar e maltratar tantos de nós em uma sequência de longos anos. Diário de Anne Frank uma adolescente se
escondendo da guerra com a família, mas que escrevia suas vivências entre o medo
e a esperança. Esses são apenas alguns que me fizeram questionar a humanidade e
o tal de humanismo.
Conforme
a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil,
realizada pelo Ibope por
encomenda do Instituto Pró-Livro, entidade mantida pelo Sindicato Nacional dos
Editores de Livros (Snel), Câmara Brasileira do Livro (CBL) e Associação
Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), a pesquisa ouviu 5.012
pessoas, alfabetizadas ou não, representa, segundo o Ibope, 93% da população
brasileira. Em 2011 os leitores representavam 50% da população, em 2015 eles
são 56%. O índice de leitura, apesar de pequeníssima melhora, indica que o
brasileiro lê apenas 4,96 livros por
ano, desses, 0,94 são indicados pela escola e 2,88 lidos por vontade própria. Do
total de livros lidos, 2,43 foram terminados e 2,53 lidos em partes. A média
anterior era de quatro livros lidos por ano, aumentamos um pouco, claro que a
passos de tartaruga.
A
Bíblia é o livro mais lido em qualquer nível de escolaridade. Aparece em todas
as listas como últimos livros lidos e mais marcantes. 74% da população não comprou nenhum livro nos últimos três meses. Entre os
que compraram livros em geral por vontade própria, 16% preferiram o impresso e
1% o e-book. Outro dado que mostra que não haverá livrarias e sim farmácias é
que 30% dos entrevistados nunca compraram um livro.
É
o que tem para hoje diria meu amigo bombeiro, nossas estatísticas não são nada
animadoras, pois nada tem sido feito para mudar a triste realidade de uma
educação que opta pela produção em massa de analfabetos funcionais. Dessa forma,
enterramos possibilidades de futuro desse país varonil. Está explicado o por que
temos tantas farmácias, o por que a
realidade dói.
Estou
aqui a pensar se não devo passar na farmácia para comprar algum remédio que
amenize minha dor de saber, mas acho que ainda não inventaram esse remédio.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?