Maria Emília Bottini
Sobre a morte Kocács afirma que há
a conspiração do silêncio em três esferas da vida: 1) com os professores, 2)
com os pais e 3) com os profissionais da saúde. Só falarei nesta crônica em
relação aos pais, os quais não sabem se devem ou não contar sobre a morte de um
animal de estimação ou mesmo sobre a morte de parentes, de pessoas queridas,
especiais, aos filhos pequenos. Corrobora neste sentido o comercial da Panvel em
estilo branded contente. Não é uma simples
divulgação da marca através de um comercial usual. Utilizam uma história
atrativa com a intenção não só de entreter através de elementos que instigam
sua curiosidade para acompanhar o comercial até o fim, sem aquela ideia de
interrupção associada aos horários de intervalo dos programas. Em resumo, somos
capturados pela beleza do comercial que não fala do produto, mas nos vende
emoções.
A história do Lilinho (http://www.youtube.com/watch?v=Bhoif3IcRuo)
de autoria de Pedro Goulart baseada na crônica de sua autoria: Peixe Lilinho.
Querida
filha, só estou escrevendo esse texto porque você ainda não sabe ler. Do
contrário, eu não escreveria. É que você ia ficar bem chateada em saber que o
seu peixe, o Lilinho, morreu.
De
modo que aquele que está no seu aquário agora é bem parecido, mas não é o
Lilinho. Sua mãe - as mães são assim -, sem que você soubesse, resolveu comprar
outro e por no lugar dele. Foi uma coisa bem rápida, filha: você acordou, contou
que o Lilinho estava dormindo de maneira estranha, "de cabeça para
baixo" e logo vimos o tamanho do problema.
Foi
então que tivemos que decidir entre contar a verdade ou driblar o destino.
Deixar que essa fatalidade tomasse conta do seu coraçãozinho em formação ou
desafiar as possíveis consequências de uma mentira como essa. E se você
notasse? E se você viesse a perceber a diferença de tamanho? Ou pior, se
descobrisse uma nadadeira a menos?
Ainda
bem que nada disso aconteceu. Ainda bem, minha filha. Seus pais conseguiram
adiar minimamente esse sentimento terrível que a perda dá. Fatalidades não são
algo que crianças tem que saber. Crianças, aliás, não deveriam saber de nada
ruim - somente que os peixes nadam, que os passarinhos voam, e que os avôs
avoam.
Por
isso mesmo é que estou aqui, contando essa história. Para que você um dia saiba
que a sua mãe e o seu pai interferiram no circuito; e deixaram ele menos curto.
Fica então uma dica pra você, sempre que possível, interfira: nada precisa ser
como é.
O comercial é lindo e emociona, mas
revela a dificuldade que os pais tiveram em falar a verdade sobre a morte, que
ela existe e faz parte da vida e do viver. Ao contrário, não falar implica que
determinado assunto não existe, neste caso a morte não existiu. A solução dada
pelo comercial para a morte do peixe está no capitalismo, no mercado, no
consumo.
A receita é muito simples: os pais
compraram outro peixe, e providenciam a substituição do peixe morto,
“enganando” a filha. Com um peixe é possível fazer a substituição, mas quando
se tratar de uma pessoa? A solução ao “problema” encontrada pelos pais tem a
intenção de evitar a dor, a frustração, e, sobretudo sentir a dor que a perda
traz a todos nós. O recado dado é: não precisamos sentir, não precisamos chorar
pela perda de algo ou alguém que nós gostamos. Com essa atitude, os pais
perderam a chance de trabalhar e educar para morte, para o luto, para a perda
com a filha. Esquecemos com essa atitude que as adversidades, as frustrações
nos tornam mais fortes para enfrentar a vida.
Os pais denunciam dessa forma a
própria incapacidade de encarar e lidar com a morte e com a perda. Necessitando
driblar, distorcer e negar com veemência o ocorrido. Atitude ilusória de que ao
longo do ciclo de vida dos filhos perde-se muito mais que “peixes de cabeça
para baixo”. Por vezes sem possibilidade de substituição. Por tratar de coisas
que não são tão insubstituíveis ou compráveis em templos de consumo, são da
ordem do coração, da alma e do sentir. Essas requerem lidar com a perda, com a
dor que a perda traz.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
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