25 fevereiro 2020

DE LEVE OSCILA


Maria Amélia Mano

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar Voa tão leve Mas tem a vida breve Precisa que haja vento sem parar


Vinícius de Moraes

             Em uma fatídica reunião de condomínio conheci a Dai, vizinha nova, única contemporânea em um público da terceira idade. O enfado nos uniu e, após, vimos outras infelizes coincidências: dor de cotovelo, pelo menos cinco quilos a mais que o peso ideal, pouco dinheiro, sem carro, sem férias de verão e sem ar condicionado, em Porto Alegre. Em um boteco que passou a ser nosso ponto de encontro, Dai me apresentou mais duas amigas, a Fê e a Ju, que passavam pelas mesmas desventuras. Um detalhe: todas coloradas.        
            Sábados e domingos escaldantes e, nós, lá na mesma mesa a compartilhar cervejas, petiscos e comentários picantes, malignos, magoados e politicamente incorretos próprios dessa fase da vida. Dividimos as contas e as trapalhadas antigas e novas, contamos e aumentamos os fracassos já que eles eram o centro da nossa união. Fizemos uma lista memorável dos chatos que conhecíamos e dos mais enfadonhos acontecimentos cotidianos que batizamos de Top 100 e não Top 10 já que nosso olhar apurado para o lado ruim da vida conseguia enxergar mais do que o usual.
            Éramos um grupo que se mantinha vigilante para se fortalecer. Certa vez, após uma curtida leviana em evento no facebook, uma das amigas me mandou mensagem: “Como tu vai em almoço vegano? Os veganos entram no Top 100!”. Verdade. Havia pautas específicas que iam desde a candidatura do Brasil à Copa do Mundo até os políticos ridículos das eleições de 2012. Tempos difíceis, pensávamos, inocentes e distantes dos fracassos do Mundial e da democracia. Assim, passamos um longo verão rindo de nós mesmas, sem perceber que havíamos encurtado o tempo de tempestade até que a bonança chegasse. E ela chegou.
            A Dai encontrou um professor de dança de salão, esbelto, elegante e gremista. Foi paixão e, em dois meses, já estava em viagem romântica para Cuba. Quando voltou, começou a dançar bolero! Como assim? Foi um baque para nós. As coisas desandaram. A Fê decidiu parar de tomar porres solitários e a Ju começou a usar fluoxetina. Eu ia às reuniões de condomínio só e economizei para viajar no verão. Mas não emagreci. Os encontros se tornaram raros, poluídos de namorados ou sempre faltava uma de nós que, obviamente, tinha coisa melhor pra fazer.
            Certo dezembro, após meses de tentativa, conseguimos, nos reunir.  A pauta era: o Internacional na segunda divisão. Dai, apesar do conflito com o dançarino gremista, não bebeu para manter o peso. Eu bebi por ela. Culpa do calor. Rimos muito. Cheguei em casa e liguei o Split em 21 graus e coloquei uma música. Ouvindo Felicidade, conversei com Vinícius, com saudade leve de um tempo ruim e bom. Poetinha, poetinha, se me permite discordar, você se enganou. Tanto quanto a felicidade, tristeza também tem fim. Tudo tem vida breve e tudo de leve oscila.

Texto para a Oficina Santa Sede de Verão de 2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O que tem a dizer sobre essa postagem?

Postagem mais recente no blog

QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?

                ? QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?   Camila chegou de mansinho, magra, esfaimada, um tanto abatida e cabisbaixa. Parecia est...

Postagens mais visitadas no blog