08 fevereiro 2020

LIÇÕES DA NATUREZA

Maria Emília Bottini




Observo com frequência os comportamentos humanos, por vezes eles me causam espanto e me incomodam deveras. Sobretudo no trânsito parece-me que por vezes revelamos o nosso pior. Só damos o que temos; não é possível darmos aquilo que não temos, que não recebemos.
Vi um adulto dirigindo seu veículo pela rua, deduzi ser o pai, ao olhar mais atentamente me espanto, pois em seu colo havia um bebê. Fiquei a pensar que atitude é essa? As leis do trânsito regem sobre como devemos transportar crianças em veículos: é obrigatório o uso de uma cadeirinha no banco traseiro, mas por vezes não é respeitado. Como gostaria de ter parado o veículo e chamado a atenção desse senhor, pela atitude irresponsável e perigosa, um completo atentado à vida do filho indefeso. A negligência e os maus tratos estão ali naquela atitude a desfilar na minha frente. Desejei que ele tomasse consciência de sua insanidade, mas nada disso aconteceu e ele seguiu pelas ruas da cidadela.
Lembrei-me de uma ex-aluna a descrever uma triste história em sala de aula. Relatou sobre uma mãe, do hospital em que trabalhava, que saiu de carro, como era próximo de sua casa iria só até a padaria; levou seu bebê junto e o colocou em seu colo e seguiu dirigindo. Em uma curva da rua movimentada um outro veículo bateu arremessando seu bebê para fora do vidro, mas não o matou, o que lamentei. O bebê ficou gravemente ferido e viveu longos anos hospitalizado, fazendo aniversário de uma vida que se quer poderá ser independente de máquinas e medicamentos. Anos de internação até sua morte. A mãe enlouquecera pela culpa.  Não sabia ela que esse tipo de atitude não devia ser praticado? Talvez pensasse que não aconteceria nada, afinal era perto. Qual é nosso problema com regras? Crianças não devem ser transportadas no banco do motorista e tão pouco na frente e ponto. Não se discute, se cumpre. É a vida que deve ser protegida, proteger a vida de quem não pode proteger-se ainda.
Naquela tarde voltei para casa pensativa. Meu marido, que adora documentários sobre animais, me chama para ver a cena de profunda sensibilidade das andorinhas: elas constroem seus ninhos em galhos de árvores. A fêmea põe de 3 a 5 ovos brancos, que são chocados pelo casal durante duas semanas.  Os pais se revezam na alimentação dos filhotes, que são alimentados no ninho por vinte e seis dias e começam a abandonar o ninho com cerca de um mês de vida. Os filhotes saem do ninho, mas a família continua unida até que eles sejam completamente independentes. Pais conscientes de suas funções, só liberam suas crias quando elas podem se virar por si mesmas.
A comovente cena me faz refletir sobre a palavra cuidado. O galho da árvore é enorme e alto do chão, mas lá está um único ovo a equilibrar-se entre a vida e a morte. Os pais voltam ao ninho para chocar com toda a delicadeza que a cena exige; o mínimo descuido e acabou. Pergunto-me como isso dá certo? Como aquele ovo se tornará um novo ser? Em condições tão adversas a vida sobrevive. O cuidado é a resposta, a vida tem que ser cuidada, amparada, protegida. Esse é o recado desses minúsculos seres, pelos quais às vezes não temos o devido respeito, afinal somos os donos do mundo e cheios de certezas.
Talvez devêssemos aprender com os animais, aos quais gostamos de dizer que são irracionais. Eles me parecem bem mais racionais e inteligentes que muitos humanos que andam dirigindo por aí. Dirigem como se a vida fosse infinita, mas ela é finita e os descuidos antecipam seu fim, levando bebês à morte por negligência. Pobres humanos descuidados de sua função de proteger a espécie. Com certeza verei mais pequenos animais cuidando de suas crias do que humanos. Talvez eu esteja equivocada, rogo que sim. 

  [Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados] 

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