ONDE PAROU?
Fazia tempo, bastante tempo, mesmo
que não sabia por onde começar a mudar o rumo das relações.
Se permitira viver na família, que os tristes
e coitados usassem seus ombros de apoio, que as crises viessem bater nas suas
mãos... Nem era por conta de grana, que tinha na medida, mas pelo desgaste de
fazer conciliações impossíveis.
Ter uma diversidade, ok, pensamentos
diferentes até faziam movimento na cachola... mas dureza de ter só oposição....
cansava.
Com a proximidade do aniversário da matriarca,
o reboliço de encontros impedidos pela pandemia de covid borbulhava. Nenhuma
vontade de participar desta organização, mas era um aniversário de 90 anos! A irmã
caçula forçava a barra para que até a ex-esposa dele participasse. Bom, afinal
era a mãe dos netos da matriarca e quem dera chance dela ser tataravó!!! Ele
nem estava casado de novo, curtia a neta e o bisnetinho precoce ( afinal sua
filha do meio engravidara aos 17 anos e a filha dela a imitara e claro, ele
ajudava sempre, mas... chamar a ex... com o atual... não era muito confortável,
mesmo depois de quase 20 anos de divórcio, mas, ia fazer , de novo, a
conciliação entre seu desejo e a realidade kkk
Inevitável, a festa foi
organizada, medidas de segurança tomadas, só a família e com vacina. Ninguém chegando
direto de aeroporto e rodoviária, quem podia ter contatos de risco com exames
para confirmar que estavam minimamente isentos...
E foi então que como uma epifania
chegou um momento incrivelmente belo... e duro... Um grande amigo sofreu um
acidente fora do país e chamou por ele. Era um dos que chorava pitangas em seus
ombros mas.. não tinha família e era companheiro de adolescência... Jogou a
viagem na mesa e saiu antes de escutar qualquer coisa além do silêncio estupefato.
Bom que tinha as devidas vacinas, passaporte e fez o PCR no aeroporto. Embarcou antes que
qualquer um pudesse levantar um dedo.
No avião escreveu uma comovente carta para a mãe,
falando que agradecia a ela o sentido de ajuda ao próximo, e tudo mais que
podia lembrar e se desculpava por ir socorrer o amigo nas terras de além mar.
Desembarcou na Angola pela segunda
vez na vida e conseguiu chegar no hospital. Realmente o amigo estava bem mal,
malária e alguma outra complicação que não entendeu bem. A equipe médica ficou aliviada posto que os
colegas de trabalho já estavam de volta ao Brasil e o enfermo abandonado e
quase sem pagamento da conta.
Em algum momento entre a febre e
os delírios seu nome havia sido citado e na busca do celular ele foi o contato
salvo como emergência.
E AGORA? Fazer o quê? Sentou num
banquinho ao lado do leito e olhou soro, 2 aparelhos ligados fazendo ruído e ele ali,
de máscara e vacinado, com PCR pra covid feito, mas vindo direto do
aeroporto!!! Baixou um cansaço... ao ver
48 mensagens na lista da família, de todo o tipo. Claro que a irmã acusava a
fuga para não encarar o divorcio mal resolvido, a mãe compreendia e lamentava,
a filha o acusava de insensível e o irmão dava o maior apoio. Avisou que ficaria
incomunicável por um tempo pois só recebera mensagens de internet por ter usado
o aparelho do amigo.
Baixou também a cabeça e olhou pro
amigo, da sua idade, ali frágil, amarelado, encovado.
Conseguiu um lugar pra tomar um banho e se
trocar, assinou as contas e se colocou como acompanhante, e aceitou o apoio da
equipe médica que permitiu que dormisse ao peá do leite.
$8 horas de cochilos num banquinho
e com a cabeça encostada na lateral da cama, comendo uns bolinhos, secos, mas
gostosos, e bebendo água mineral e já estava zureta. O amigo abriu os olhos e
tomou-lhe a mão. Na hora sumiu o cansaço, mas foi apenas um lapso. Uma semana
depois realmente olhou, reagiu e falou.
Jamais imaginou que amasse assim um amigo, pois seu coração fez as pazes
com todas a relações que o embrulhavam. E o afeto deste enfermo enfraquecido,
seu olhar de gratidão e sua fragilidade revolucionaram a vida! Lembrou de dar
explicações aos familiares, no trabalho cuja ausência foi justificada pelo
irmão, e até mandou um vídeo com mensagens para a festa da mãe.
Ficou pensado que nada como uma
distância e uma coisa ameaçando a vida não seja “curada.”
. Maria Lúcia Futuro Mühlbauer Escreve às segundas feiras
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