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30 janeiro 2022

COSTELINHA OU PERNIL PRO DR. NELSON?


 Lá no fundo de casa, entre os pés de laranja e limão tinha o pé de carambola. Gostar da fruta eu não gostava muito, mas do doce que a tia Natalina fazia era um sabor incrível. Era doce azedo e o desenho das fetas pequenininhas era no formato de estrela.

Pois era embaixo dessa árvore que fornecia o sabor que se salivava sem querer, que também se matavam porco, cabrito, carneiro. Galinha se matava nos fundos da cozinha. Vaca se carneava no sítio. À sombra das carambolas, perto do chiqueiro e do galinheiro que também se pendurava uma garrafa de cachaça, o tacho prá fritar a carne e a banha e se mantinha, quase que permanente, o fogo com as lenhas secas. E tinha lá um tambor grande cheinho de água prá ir higienizando tudo, inclusive a tripa do porco prá depois fazer a linguiça...

Era uma trabalheira danada pros adultos e, para as crianças uma aventura de grande de conhecimento interno dos animais... papai e vô Dale iam estripando os bichos e mostrando: o coração se come, o fígado se come, a bílis joga fora rápido senão estraga toda a carne... e o rabo, bem o rabo e a orelha se cozinha no feijão. Nos dias de matar bichos médios geralmente vinha alguém ajudar – um homem, evidente! As mulheres da casa – mamãe e volinha – davam conta do restante. Geralmente até o dia seguinte ainda tinham trabalho, especialmente guardar a carne frita nas latas de gordura.

Quando chegava a fase de separar as partes então a conversa era outra: suã prás latas, pernil pra um, costela prá outro... geralmente era nessa hora que os homi perguntavam prás mulheres (no caso que eu lembro...)

- Pro Dr. Nelson, vai a costelinha ou o pernil?

A naturalidade com que isso ocorria indicava (nesse meu estágio de lembrança) que o pagamento pelos serviços médicos ocorria de diversas formas. E, uma delas era em produtos. Lembro-me de ser atendida pela Dra. Alice, esposa do Dr. Nelson, mas não me lembro de perguntarem como iriam pagar a Dra. Alice. O machismo é uma coisa terrível – esconde até a mulher médica sob o nome do homem médico... humpt

Mas uma coisa eu sei: lá em casa se pagava os médicos com dinheiro e complementava-se com produtos. O saco de feijão, um quarto de vaca no fim de ano, costelinha ou pernil de porco várias vezes...

A foto dessa história foi enviada pelo Antonino Rebeque. A acho que o distinto é dos Rebeques lá do Lote dos Padres, uma fazenda depois de Montese e antes de Piraporã. Então... ele  guarda muitas informações em retratos lá de Itaporã. Falou que o Hospital era do Dr. Nelson, mas isso eu já não sei... pensei que era das freiras porque só lembro mesmo é delas correndo de um lado pro outro, no prédio de dois andares cinza com bege. Só lembro que quando morava em Itaporã só podia ver por fora... e o que será que tinha lá dentro,   minhas deusas??????????

Tinha outras formas de pagamentos pros casos de doença. E, uma delas era exclusivamente em produtos. Algumas pessoas do sítio pagavam com produtos. Lembro-me da ComáFrancisca.  Acho que era uma vez ou duas por semana, a ComáFrancisca passava lá em casa logo de manhã prá trazer verduras, queijo e leite. Naquelas ocasiões tinha já separado em uma cesta o que ia deixar na casa dos médicos, ou seja, fazia um pagamento quase que permanente para um atendimento realizado. No caso da Comadre, ela tinha uma filha meio fraquinha dos pulmões e, vez por outra, ia na Dra. Alice ou no Dr. Nelson, não sei... O abastecimento da casa dos médicos era certeiro.

Teve a vez que um parente – guri terrível de arteiro - tinha os ouvidos inflamados com berne. Era coisa comum, mas o berne dele ficou feio e inchou o rosto. Teve que ir no hospital prá tirar o bicho e depois ficou lá em casa fazendo compressa (não lembro de quê, mas era uma panaiada danada). Lembro-me da minha tia cuidando o dia inteiro e fervendo tudo que usava nele. Era secreção prá todo lado depois que o bicho saiu do ouvido.  O pagamento no hospital foi um ajuntamento de parentes prá pagar no sufoco, tudo de uma vez. Depois meu tio trabalhou duro e foi devolvendo a cada um. Mas o médico, esse foi pago em separado e foi um porco inteiro (limpo, esquartejado e com partes nas latas de banha).

Meu primo e seu berne tinham ficado dispendioso (adorava essa palavra falada pelo meu pai). Se tivesse deixado tirar com toucinho prá puxar o bicho não tinha custado os olhos da cara! (kkkkk e onde iam ser os olhos se não fossem da cara???? ).

E lá vem a Federici de novo...

O serviço do médico tinha valor e preço. O da mulherada, só valor. O agradecimento ia pros médicos (as médicas não lembro!) e prás freiras que tinham ensinado os cuidados. O cuidado que as mulheres da família dispensaram era coisa de “amor de mãe” e às vezes nem agradecimento tinham...

E, os homens? ah, os homens da família... o eterno obrigado ao meu pai que tinha ido catar um dinheirim aqui outro acolá... e o meu tio que tinha trabalhado duro prá devolver depois... exaltação ao trabalho e honestidade dos homens.

E as mulheres?

Bem, as mulheres mantêm o mundo...

Estela Márcia Rondina Scandola, 59 anos, mulherecendo em tantas mulheres que mulherecem em mim. Escreve aos domingos como convidada.

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