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07 abril 2017

TRÊS COLHERES DE CAFÉ E UMA XÍCARA DE AÇUCAR

Imagem capturada na internet e adaptadas. 2017
Ernande Valentin do Prado

Estes dias recebi em casa, no bairro do Brisamar, em João Pessoa, a visita de Mayara e Augusto. Vieram de longe, Santa Catarina. Larissa fez um bolo bonito, gostoso. Para Mayara, que é vegana, fez uma tapioca com ervas e azeite. Não sou vegano, mas parecia bom.
Estávamos na mesa comendo, quando Alice entrou, vinda da rua, disse:
- Mãe, a vizinha pediu três colheres de café emprestado, a senhora tem?
Não falei nada na hora, mas fiquei pensando que isso de vizinho pedir colher, xicara de café ou de açúcar emprestados, é coisa que há muitos anos não via. Em minha infância era muito comum. Lembro de minha mãe emprestando café, açúcar, farinha de trigo, fermento, arroz, entre outras coisas. Também lembro de ir na vizinha pedir essas mesmas coisas emprestadas em diferentes momentos do mês. Não era como hoje que quando falta alguma coisa se vai no supermercado e compra. Parece que tudo era mais difícil antes ou mais fácil, depende o ponto de vista.
No dia seguinte a visita de Mayara e Augusto, feriado, acabou o açúcar em casa.
- Acho que fizemos muitos bolos esse mês, por isso faltou antes da hora.
Comentou Larissa.
Será que vamos ter que tomar café amargo? Pensei sem comentar.
Confesso que coisas faltando me aborrece. Procuro comprar a mais, se precisa de 10 pacotes, compro logo 15, se tiver o dinheiro. Isso porque detesto ir ao supermercado, aliás, detesto ter que comprar qualquer coisa e penso nestes momentos invitáveis como remédios amargos que precisam ser tomados de uma vez só. Espero que um dia inventem uma geladeira e um armário de mantimentos que se comunique, via internet com os supermercados e se reponham sozinhos. Até esse dia, prefiro comprar coisas o suficiente de uma vez só, de modo que não falte até eu ter que ir ao supermercado de novo e fazer todas as compras.
- Quer que vá ao mercado comprar?
Perguntei. Larissa disse que não, que ainda tinha o suficiente para o café da manhã e que poderíamos ver isso depois.
Desta vez o socorro chegou bem antes que eu parasse de me preocupar: da vizinha veio um pacote inteiro de açúcar, dando tempo para chegar o dia das compras, que estava próximo.
Por acaso essa relação entre vizinhos não é legal demais?
Tem quase quatro anos que moro em João Pessoa, destes, por quase três morei em Mangabeira, bairro considerado mais popular, na periferia e lá nunca vi, nem percebi o hábito de empréstimos entre vizinhos.
Será por causa dos diversos mercadinhos por perto ou por que esse sentimento de poder depender do vizinho não existia lá?
No Brisamar estou há menos de um ano. Por mais estranho e contraditório que pareça, aqui sinto-me mais parte da comunidade, apesar de conhecer até menos vizinhos do que no Mangabeira. Até voltei a frequentar a igreja e sinto-me bem com isso. Estes dias o padre deu um aviso de que haveria uma reunião entre a comunidade e os órgãos de segurança do município e me senti interessado em ir, sinto-me parte.
A ligação que a comunidade proporciona é coisa que me fazia falta, talvez por ter passado parte de minha vida em cidades do interior. Talvez essa sensação de pertencimento faça falta a todos. O ser humano precisa de cuidado e a ilusão de autonomia plena, em que as pessoas não precisam umas das outras não parece real e nem necessária. Sennett, em um livro perturbador, publicado em 2008, “A corrosão do caráter”, diz que a ligação social nasce do senso de mútua dependência. Ele diz que a dependência hoje é considerada coisa negativa, mas que nem sempre foi assim. A compreensão de que as pessoas precisam e dependem umas das outras pode ser benéfica para coesão social, para a construção de um mundo melhor, mais justo e solidário.
Isso foi o que li no livro dele e é o que sinto quando penso no meu tempo de menino e dos empréstimos nas casas dos vizinhos e foi o que pensei quando emprestamos e precisamos emprestar da vizinha.

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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