ANIVERSÁRIO
Maria Amélia Medeiros Mano
O primeiro
veículo: velocípede de metal, com tiras coloridas de plástico descendo da ponta
dos dois “guidons”, caindo como franjas que se movimentavam nas minhas corridas
pelos quintais e calçadas. Foi meu e depois, das minhas irmãs e nestes tempos
de aventuras, foi perdendo as franjas, mas ganhando histórias.
O segundo
veículo: bicicleta roxinha de rodinhas laterais brancas. Grande desafio. Meses
encostada na parede. Meses sem tirar as rodinhas. Isso até eu ganhar coragem e
ela se tornar o foguete mais veloz atravessando galáxias com bonecas e até a
irmã mais nova na garupa. Nesse meio tempo, outro velocípede, o das manas,
maior e com espaço para um passageiro, para as bonecas que eram transportadas e
acidentadas, sem cintos de segurança!
E veio a bicicleta
azul, a Monareta que “se achava” uma “caloi cross”, a moda da época, mas não
era... Porque ser “cross” é ser coisa de menino, coisa perigosa. E os pobres
pneuzinhos da minha azulzinha viviam furando e secando, sofriam com as manobras
enquanto que os joelhos e canelas ficavam marcadas de pequenos desastres de
percurso.
O primeiro cão
que tive me passava em altura quando se punha entre as duas pernas traseiras e
me derrubava quando pulava para brincar. O segundo cão me arranhou no rosto,
marca que me deu o apelido de “Falcon”, na escola. Falcon era o boneco
aventureiro que tinha marca no rosto. Apesar de eu tentar conversar com meu
segundo cão, inspirada pelos filmes da Lassie, ele pouco respondia e mais
rosnava. Não fomos amigos.
O terceiro cão
foi meu grande presente de aniversário de 12 anos e me acompanhou do final da
meninice até quando saí de casa, já formada. Não era um cão genial como dos
filmes da época, mas tinha um olhar que parecia entender tudo, quase falar.
Vestiu roupa, foi para a praia, o sítio, o tanque (de bóia!), quatro cidades,
sete casas, 15 anos e uma infinidade de histórias em que ele, o Pingo, era ou o
protagonista ou o coadjuvante.
Ele e o pai
viviam brigando, mas quando Pingo se foi, foi o pai quem mais chorou e escolheu
um lugar especial no quintal para enterrá-lo. Dizia que era o que tinha restado
da nossa infância. Era um pouco nós todas em casa, brincando. O que de vivo
testemunhou nosso crescer, nosso sair de casa, sem mudar uma patinha ou um
latido...
Nós fomos e
ele permaneceu o mesmo até envelhecer e ir amansando, como fazem os idosos
sábios, tolerando mais os estranhos e os cheiros novos. O ciúme de filhote se
tornou um abano de rabo condescendente e generoso. Maturidade tardia após uma
década de latidos, perseguições implacáveis, mordidas de calcanhares e ameaças
entre os caninos à mostra, mesmo tendo menos de 20 centímetros de altura.
Outros vieram
para tentar ocupar o mesmo espaço. Personalidades distintas. Até melhores, mais
inteligentes, mais bonitos, menos ranzinzas. Mas nenhum como ele, assim como
nenhuma bicicleta como a azul que queria ser cross... Assim como nenhum boneco
como o Pirulito e a Michele. Nenhum seriado como o Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Nenhuma árvore como o pé de siriguela da vó e nenhum momento como este, agora,
em que a inocência dos meus dias, meus bichos, meus brinquedos, meus tesouros e
minhas aventuras me invadem como a primeira ondea sentida de mar, de espanto e
medo.
Primeira onda de mar. Primeiro beijo cheio de ansiedade e surpresa. Mas nada como o beijo que te acorda, que te cabe, que te
cobre quente e macio: aquece e embala sono e sonho. Braço. Abraço.
Confiança que se pega com a mão e se oferece como presente de vida. É mais um
verão que se vai e novo outono que chega, chovendo. Cumpro mais um tempo, mais
um ano que a vida me dá e que dou a vida. E continuo aprendendo a ser mais
simples, sempre. Amansando com o tempo e com o olhar, que nem o Pingo.
[Maria Amélia publica no Rua Balsa das 10 às terças-feiras]
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