Maria Amélia Mano
E no terreiro o teu
olhar
Que incendiou meu
coração
Luiz Gonzaga
Ele me abraçava, me envolvia
enquanto, juntos, observávamos a fogueira em alguma noite de junho. Primeiro
amor.
As famílias conversavam. A prima dele,
moderna e aventureira me fazia admirá-la pela independência e pela clareza do
que queria e desejava. Não era bonita. Era decidida. Era mulher.
Ela me olhava, terna, admirava-me
talvez, também, por ser começo, por ser menina.
Eu desejava que aquela noite
nunca terminasse e o abraço grande fosse para sempre. Mas a fogueira apagou, as
bandeirinhas foram retiradas dos ares e junho terminou em um julho e um agosto
que se seguiu.
Em fevereiro, no carnaval, já não
estávamos juntos e eu, já fora de casa, me sentia perdida e em busca. A
tristeza da primeira perda e o espanto do primeiro desafio. Tempo de estreias
onde nem sempre nos aplaudem. Crescimento necessário. Lágrima que faz crescer,
aprender, se tornar.
O mundo pela frente com todas as
possibilidades de solavancos, asperezas, balão, rojão e turbilhão. Buscar na
rádio, solitária, a sintonia, a música que leve de volta a um outro tempo, o da
fogueira, o da casa dos pais. As poesias, os segredos, os trechos de canções,
os pensamentos entre canetas coloridas das páginas do diário.
Crescer é esse treino de
saudades, de caminhos, de fogueiras e bandeirinhas que vemos se queimar, se
desfazerem e se reconstruírem em tantos junhos, em tantos abraços, em tantas
estreias, em tantas saídas, em tantas descobertas boas e más.
E a quadrilha passa em dança e
“olha para o céu, meu amor”. Passa junho em passo de grande roda e “trancelim”,
“anavantú e anarriê”. Olho para a cena da noite, me vejo, agora, a prima
adulta, mais tranquila e serena que, um dia, admirei. Mas ainda encontro a
menina encantada, afagada, abraçada, envolvida, esperançosa e cheia de medos.
Estava certa. Estava errada.
Estou diante da fogueira olhando as palavras, as canções, os sonhos, os olhos
em profundas chamas que consomem tempo e dúvida. Produzem fumaça e vida,
transformam. Cinzas que inundam as cores dos meus cabelos e alimentam novos
sonhos e adubam novas sementes. Novas.
Sou a mulher que admira a menina
e a menina que admira a mulher. Na noite de São João, nos abraçamos, ambas, nos
escolhemos, nos acolhemos e desejamos que essa noite demore a ser dia e seja um
junho bonito e as bandeirinhas no terreiro não se desfaçam com a chuva, não
desbotem a cor.
Ah, essas perigosas queimas de
festas, andanças, lágrimas, abraços e recomeços infinitos!
https://www.youtube.com/watch?v=G0QzL01oRu0
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