Maria Amélia Mano
Entro e avanço no prédio que
chamam PAM, espaço do antigo INPS. Construção cinza por fora, quadrada, sem cor
por dentro, sem jardim, sem graça. Corredores repletos. Pessoas a espera.
Paredes cheias de avisos e cartazes de campanhas. Bancos e cadeiras duras,
descascando, sem estofamento. Não tinha sujeira. Mas tinha abandono. Não ter
nada bonito torna tudo feio, frio, triste. Nada do que vejo é novidade. Há
outros PAMs exatamente iguais. Penso se precisa ser sempre assim...
Em um banco do corredor,
sentadinha, uma menininha magrinha de perninhas ainda curtas, sem alcançar o
chão, penduradas, mas sem se mover. Comportada. Quieta. Estava encurvada. Mal
vestida. Esperando. Olha para mim por cima dos olhos e vejo o cansaço. Mas nos
lábios, me surpreendo, me enterneço: um forte batom vermelho meio borrado. A
menininha magra, quieta, encurvada e desconfiada de perninhas curtas se
enfeitou para ir ao PAM.
Torço para que ela seja bem atendida, bem
escutada, bem acolhida. Torço que seu esforço na frente do espelho para ir a lugar
tão feio tenha, enfim, uma recompensa, um elogio, um carinho, uma atenção, um
abraço... Mas sei que ela corre o grande risco de ser mais uma e ser ninguém. E
por ser ninguém, seu batom vermelho borrado de nada vai valer, assim como a
espera e a tarde inteira. Quem sabe que expectativa, que sonho teve ao se
enfeitar. Sei de mim que menininhas sempre sonham...
E por talvez, ser a menininha magrinha
um ninguém de perninhas curtas no banco, lembro do poeta que falou dos
ninguéns. Dos ninguéns que sonham em “deixar a pobreza” em algum dia mágico de
sorte. Dos ninguéns que não são vistos, não são lidos, não são ouvidos, não são
notados e estão encurvados, esperando, esperando em algum prédio público,
alguma fila, alguma estrada, alguma porteira, alguma parada de ônibus, alguma
colheita, algum posto de saúde.
E o poeta se vai sem nem mesmo a
menininha saber ler, quem sabe... Quem sabe os pais da pequena sequer saibam,
sequer tenham lido o poeta em uma fronteira descuidada e sem fim. E o poeta se
vai e eu fico com a lembrança da menininha magra. Torço para que a tarde e a
vida valham a pena para ela. Torço para que um dia, ela leia o poeta e que eles
sejam amigos, como são os que esperam, como são os que sonham, como são os que
adoecem, como são os que se enfeitam para os dias tristes...
Ela, menininha encurvada no banco
feio de lugar feio. Ninguém de perninhas penduradas. Ela, que me olha
desconfiada e quieta, por cima dos olhos, sequer desconfia o quanto, neste
momento, eu a quero bem e sou grata. Ela, que trouxe o único colorido para
aquele lugar sem cor: o vermelho borrado do batom que é esperança e afago. Ela,
lembrança terna que me acarinha e conforta na partida do poeta que sempre vai
cantar para ela, para que ela erga os olhos e enfim, sorria enfeitada de
vermelho e dignidade.
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