Maria Amélia Mano
Para Lelé e Thaíz
Ainda é cedo
Mesmo quando
É tarde pra ficar
Sinta o tempo
Passar por nós
Sem nos tocar
Corra o risco
De viver sem ter que pertencer
Ache o motivo
Seja livre e se amanhã chover
Siga o sol
Flávio Venturini
Olho
o teto de vidro do ônibus. As árvores passam rápidas. As nuvens correm. O céu
vai passando do azul ao cinza, do cinza ao negro em tempo de outono que se vai,
anunciando inverno e entardeceres mais rápidos. Ouço musiquinha e sinto frio.
Voltar para casa é bom, mas voltar no tempo é mágico. E volto no tempo...
Tinha
o tempo em que eu tinha um caderno de músicas. Cada página uma música escrita,
copiada a mão de outro caderno de músicas de colega de escola. Canetas
coloridas. Que nem as listas que eram meio corrente. Cadernos. Músicas. Letras
de meninas em tempos de primeiro grau, tempos de não ter computador, google, CD
e o que mais torna o mundo e a busca da poesia mais fácil.
E
fecho os olhos para lembrar do encontro que me fez viajar, que me fez voltar.
Amigas de anos de faculdade e residência. Privilégio, sorte, presente. O menino, o filho que vi ser
anunciado e esperado é um homem e canta uma canção do nosso tempo. A menina que
vi, entre lágrimas, entrar na igreja nervosa é uma mulher segura e corajosa.
Apesar de alguns sonhos desfeitos, refeitos, construídos, sorrimos e rimos de
nós.
“Nossa
linda Juventude” era a letra do Flávio Venturini da escola que era considerada difícil,
pois ninguém entendia as palavras iniciais e saber que era “zabelê, zumbi,
besouro” era uma surpresa. Eu tinha ela no meu caderno de letras. E por muito
tempo e ainda hoje, ainda canto. Ainda cantamos. Fomos a um show, amigas, escrevemos
mais uma “página de um livro bom” que
ainda vivemos.
E
sempre canto outras tantas músicas do Flávio Venturini quando quero lembrar de
tempos de antes, de tempos de agora e de sonhos que tenho, que temos:
Saiba como ser livre
Todo momento da vida
Viva cada instante
Dia após dia, após dia
Quando
começa a frase “solte seu corpo no mundo” eu até fechava os olhos e obedecia:
“dance cada instante” e “brinque comigo de novo”. Sempre. Thaíz faz brechó para
comprar fantoches e dedoches. Organiza teatro em uma escola rural para falar de
saúde. Lelé trabalha aos sábados, faz eventos para conseguir material para os
grupos educativos. Escondidas em comunidades rurais e de periferia, soltam,
vivem, dançam, cuidam, brincam, visitam famílias...
Meus
orgulhos, minhas parceiras, minhas amigas. São vocês que me dão a certeza de
que nesse mundo escondido das unidades de saúde, existe “cais e calor”, existe
amor e uma injustiça de tantas lutas em tantos cotidianos que não cabem no
cartão ponto, “algo a fazer, bem melhor que a canção mais bonita que alguém
lembrar”. Ainda somos nós, caminhando nas ruas das vilas e entrando nas casas.
O
teto do ônibus que viajo de volta anuncia a chegada. Fim de feriado. Bagunça de
idas e vindas. Adoro rodoviárias. Diferente da artificialidade do aeroporto, a
rodoviária é calor e possibilidades mais vivas em cada coxinha com café preto.
Apesar da rapidez do avião, o ônibus é o devagar, é o divagar necessário. É a anunciação
do tempo na janela, no teto de vidro que me diz das chegadas e das partidas.
Tiro
a musiquinha e ainda sinto os abraços apertados, “o brilho calmo dessa luz”.
Noite na cidade, “fogo solto no caos”. Sim,
penso de novo: voltar para casa é bom, mas voltar no tempo é mágico. E volto no
tempo...
Nessa estrada
Um pé nas nuvens
Outro pé noutro lugar
Uma saudade, uma viagem
Onde vai meu coração?
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