Maria Amélia Mano
O luar é a luz do sol
vestida de humildade
Teixeira
de Pascoaes
Em viagem me
deparo com uma artesã que vende braceletes de macramê. Coisa simples, mas
caprichada e enfeitada pela energia e sorriso da artesã. Compro uma. Decido
comprar uma segunda que, sei, tem igual valor e me surpreendo quando ela me
devolve um troco a mais. Tento corrigir, alerto do valor, não peço desconto. A
artesã faz questão de me fazer por menos porque é a segunda que compro e, além
do mais, me explica: “as coisas precisam ir”.
Anoto a
lição em caderninho de viagem cinza que já quase muda de cor. Termina mais um
ciclo. Gosto que os tempos se sucedam. Que venha o caderninho azul que não
sabia se era para aventura ou para trabalho. Podia ser um trabalho aventureiro,
o que não é raro. E assim decidi que seria até que o virar de uma página me
provasse o contrário, assim como sempre nos provam as viradas da vida,
escritas, desenhadas, lembradas ou não.
Presente, o
caderninho azul, era promessa de parceria esperançosa em viagens de trabalho
aventureiro sempre contadas, cantadas e encantadas para escrever. “Mundo como
presente”, diz a dedicatória, “lista escondida”, “voz de ti”... Palavras soltas
como somos, soltos, escritos e inscritos neste chão, como são as folhas na
estação das luzes que mais gosto, o outono. E planejei desafios a mão no branco
do tempo que se fazia dia vivido.
Veio a
mudança. O trabalho aventureiro, afinal, não era o que eu esperava. Doeu
entender, desistir. Disse adeus e o programado ficou esquecido no alto das
páginas. Muda o rumo. Muda o ritmo. Outra dança. Rasga as folhas de um outono
que ainda não chegou? Guarda o caderninho? Ainda não... Pequeno e leve, cabe em
qualquer cantinho. Segui levando como amuleto ainda desejoso de destino,
respostas, caminhos novos.
Vou a um
show e me encanto com a arte dos bonecos que contam a história de Maria, que
passa uma vida lutando para aprender a ler. Na televisão, programa popular de
domingo e me espanto com uma reportagem de um menino pobre que recolhe doações
de livros em uma malinha de rodinhas e sonha em fazer uma biblioteca na pequena
cidade nordestina onde vive. Anoto um título de Mia Couto e sites de contação
de histórias...
Viajo e
sonho com momentos em uma livraria mágica da serra. Anoto impressões e se
pudesse, anotaria o cheiro de madeira das estantes, o carinho com os cães que
transitam como só o fazem em uma pequena cidade: o sempre desejo das coisas
pequenas. Escrevo para lembrar de estudar sobre nomadismos, gente que sempre
está se despedindo. E vem as frases soltas, ideia de texto futuro, semente de
histórias em parágrafos ainda por serem sonhados.
E vem a
noite e o olhar a lua e a frase que cabe no início desse texto. E a sensação de
orgulho da menina moça, filha de catadores de papéis, que me avisa, em
consulta, que está aprendendo a tocar flauta. Tudo escrito em espaços que eram
para outras emoções. Mas essas vieram e vieram de mãos dadas, mostrando a
poesia das coisas simples que me tocaram, que me recompensaram o dia, que quero
eternizar, que quero partilhar.
E volto à
artesã que me ensinou que as coisas precisam ir. Sim, para que outras possam
entrar na nossa vida, preencher o vazio que propositalmente deixamos. Vazio
necessário, silêncio mágico, desistência fundamental. Estar repleto sempre é
estar sem espaço para uma nova vivência. Achar que as páginas são para grandes
viagens também deixa de considerar as pequenas viagens dentro da nossa cidade,
do nosso bairro, da nossa casa. Nossas idas e vindas até o encantamento do
mundo em nós, nós no mundo.
E seguirá o
caderninho azul, agora em viagem de férias. Esperando, nas estradas ou dentro
de mim mesma, descrever uma sensação, escrever uma letra de música, um trecho
de poema, um endereço, uma receita, uma história, uma descoberta. Abrir as
páginas sem certezas, sem programar e com a curiosidade e o desejo de tudo
querer segurar, tudo querer abraçar para não esquecer do carinho. Mas, ao mesmo
tempo, se precisar, se pesar na mochila, na viagem, deixar ir.
Observação – entrei de férias dia 02, assim, o caderninho
está no ar, na estrada até agosto quando tirarei um pouco dele, palavras, para
trazer para esse lugar quentinho e protegido chamado Balsa das 10.
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