14 julho 2015

ESSAS COISAS VIVAS II


Maria Amélia Mano

Salve el brillo de mis dentes sonriendo desnudos
Salve el cuerpo de los amantes rogando ser uno
Soy mujer también sirena
Me vuelvo casta a cantar
sólo la música es capaz de penetrar
en el hueco del sol
lo lleno del mar
las mujeres girando en uma rueda
girando hasta el día clarear

Mariana Lucía

                   Helena, sempre Helena e suas coisas sempre vivas...

                Falo de uma mulher que sempre me fala e sempre me falará. Sempre me ensina e sempre me ensinará. Foi estuprada pelo pai aos 8 anos e aos 13 anos saiu de casa com o namorado. Teve a primeira filha aos 14 anos e daí vieram mais 3 meninas e o último, um menino sorridente e esperançoso como ela. Ele é passista de escola de samba e pelos olhos dele, Helena enxerga mais razão em viver. Nem é tanto mulher, é mulher e mãe.

                Falo de uma mãe que não protegeu Helena. De pais que tinham o vício da bebida e do abandono. Algo que não está no DNA, mas que passa, contamina, pega... Mas vinho era pouco. Quando o casamento acabou, Helena precisava de outras formas de enfrentar a vida, de fugir da vida. Descobriu que ficar sóbria, limpa, acordada, feliz, tranquila, era uma luta cotidiana. Nem é tanto a vida, é a falta de vida.

                Falo de dias que se tornaram mais e mais escuros, mais e mais arriscados. Dias que viraram noites longas. Longe de casa, Helena usava cada vez mais cocaína e crack. Começou a se prostituir. Foi contaminada pelo vírus HIV. Adoeceu. Buscou ajuda. Ergueu os olhos e se orgulhou de si. Sentiu ansiedade e fissura. Recaiu e voltou para a rua, para o medo de morrer. Nem é tanto o risco, é a dor.

                    Falo de buscas. Da busca de Helena desde os 8 anos. Desde antes. Desde sempre. Helena no Centro de Atenção Psico Social - CAPS, braços sangrando, confusa, esquecida de si, querendo voltar de novo para si. Conhece Jairo, também internado, também querendo voltar. Ambos se permitem o encontro, o conforto, a esperança, o toque, o abraço. Nem é tanto a carência, é desejo de recomeçar pelo amor que nunca teve.

                Falo de pequenos grandes atos revolucionários. A terapeuta, na oficina com mulheres no CAPS resolve pintar Helena. Base, rímel, sombra, lápis e batom. Maquiada, ela se olha e chora. Disse que só havia se pintado para se prostituir e nem se achava bonita. Mas desta vez se emocionou porque se achou linda e especial. Seus olhos brilham quando me conta a sensação de se ver bonita. Nem é pouca coisa, é imensidão. 

                Falo de palavras simples que valem uma vida querer ser vivida. Jairo viu Helena maquiada e disse: “eu quero minha nega, assim, bonita pra mim!”. Helena sorri quando me conta da surpresa, do amor. Fala que nunca foi elogiada assim, que quer ficar sempre bonita, talvez mudar de casa, de vida, ter outro filho. Mas isso é plano, é sonho, capricho. Nem é remendo, é resgate.

                Falo de uma mulher que sempre me fala e sempre me falará. Sempre me ensina e sempre me ensinará. Sempre uma fala sábia, sem perceber. Um abraço nem sempre firme, às vezes tonto, mas sempre forte e verdadeiro. Ama a vida que às vezes tenta enganar. Helena sempre me espanta e escrevo. Agora, preciso de um presente mágico para Helena que daqui um mês faz 40 anos de pura ternura e teimosia. Nem é agrado, é gratidão.

                Helena, sempre Helena e suas coisas sempre vivas...

Observação – o primeiro texto no blog sobre Helena foi feito dia 24 de julho de 2013.


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