Maria Amélia Mano
Para Jair
Por essas
necessidades de se renovar por dentro, arrumo as coisas de fora. Me desfazer de
roupas e utensílios domésticos é tranquilo! Mas, iniciei pelo desafio maior: me
desfazer de livros. De quebra, podem ir revistas, recortes, artigos impressos
que já não interessam mais, Faxina necessária em tempos onde guardar e acumular
se confundem e onde os ares já precisam de mais espaço para abrir os braços e
alcançarem outras ideias e outros sonhos.
Antes de
colocar na caixa para doação, o cuidado em rever cada um. Não me desfaço de
nada que tenha dedicatória! Com as datas, me esforço em lembrar em que lugar e
em que contexto acabei desejando aquele conhecimento. Olho os índices dos
livros para ver se não estou perdendo algum saber. Até pensei que poderia
separar e escrever sobre cada passagem perdida no meio do desnecessário. Mas isso
ia superar as já duas semanas de caos, pó, espirros e pilhas de exemplares no
chão.
Os artigos.
Devoradora de leituras curtas como artigos e crônicas, colecionei recortes em
pastas com “páginas” de plásticos protetores que se tornaram gordinhas e
difíceis de manusear. O Google foi criado em 1998 e publicizado em 2004. Então,
antes disso, o jeito era juntar papel. Um artigo me causou ternura. É de 1997. Era
um comentário sensível ao livro de Oliver Sacks, Tempo de Despertar, de 1973, que
deu origem a um dos filmes mais emocionantes que já assisti.
No filme, o
médico, interpretado por Robin Williams ajuda a “acordar” pacientes catatônicos
a partir do uso de uma droga específica. O primeiro paciente a ser acordado,
após décadas de imobilidade, Leonard, era interpretado por Robert de Niro. O
que médico e paciente, que se tornaram amigos, não esperavam eram os terríveis
efeitos colaterais da droga. Tanto que a continuidade do tratamento se tornou
inviável e, apesar de muito esforço e pesquisa, novamente, os pacientes
voltaram ao estado de imobilidade.
Há 1 ano,
deprimido, Robin Williams se suicidou. Robert De Niro tem 72 anos e continua
colecionando sucessos. Oliver Sacks faleceu ontem, aos 82 anos. Ultimamente, ele vinha escrevendo textos com mensagens maravilhosas de gratidão pela sua
história e pelo que viveu. Mostrou, nas palavras, a intensidade de querer
sentir a beleza, amar e se despedir dos que ama, aprender e aprofundar a
compreensão por esse valioso presente chamado vida.
Encontrei o
artigo citando Sacks e comecei a escrever sobre, antes dele falecer. Isso e
mais algumas pequenas coincidências, como reencontrar a imagem de um grande
amigo que se foi, como a proximidade da data de partidas importantes, como
conversas sobre rumos da vida, como uma certa saudade dos que já não posso
abraçar, acordada, faz com que essas palavras soem mais mágicas. Acabo
acolhendo esse fim de inverno estranho e quente como ainda acolho alguns
guardados. Com carinho.
Ainda com
carinho, busco ideias e textos. A última é capa do jornal de Pelotas. A floração
antecipada dos pessegueiros causando problemas em toda cadeia produtiva. A
indústria de doces em alerta. E lembro e relaciono esse assunto às palavras de
uma crônica lida no jornal, durante a semana. O colunista alertava sobre a loucura dos ipês dos parques e ruas de
Porto Alegre, todos enganados pelo calor, todos florescendo, todos despertando em pleno inverno!
Daí, de
alguma forma, volto ao despertar de Leonard. Ao momento em que ele olha para as
pessoas correndo, caóticas e confusas nas ruas e, desesperado, pede ao médico
que as avise de que “tudo está ruim nos jornais, mas e a vida... a vida é linda
e maravilhosa de se viver”. E diz isso porque a doença o privou de vida, porque
acordar e sentir, simplesmente, é dádiva, porque viu o certo “desprezo” que os
homens sãos têm pelos dias e pelos momentos de lucidez e movimentos.
Assim, se
vai o agosto das grandes luas, o inverno dos guardados devolvidos, os dias
ainda curtos de ipês confusos, da pressa dos pessegueiros em flor, dos
encontros, das saudades e das partidas. Que eu curta o novo ciclo, sabendo
conectar inspirações e coincidências simples e tirar lições mágicas. Posso, podemos,
diferente dos ipês e pessegueiros, florescermos independente do tempo. Podemos
antecipar primaveras e ter tantas florações e cores quanto quisermos. Podemos fazer
a escolha e despertar em qualquer estação.
Texto iniciado em 24 de agosto e finalizado em 31 de agosto
de 2015. Oliver Sacks faleceu dia 30 de agosto de 2015.
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