para o doutor Jorge Guimarães in memória
para Maria Amélia de quem aprendo a alma da medicina.
tive a sorte de vivenciar a bondade do Dr. Jorge Guimarães, cardiologista, perito da universidade onde sou professor do Instituto de Saúde Coletiva em Niterói.
No ano passado, pouco depois da minha cirurgia cerebral, ele gentilmente me visitou aqui em casa, e passou mais de duas horas conversando. era um homem curioso, com rosto de bondade, roupas como os cavaleiros ingleses dos anos 50, óculos que não escondiam o sorriso.
Me avaliou só na conversa boa, no olhar de criança experiente. elogiou a casa, os livros, os discos. disse que amava caminhar mas que como trabalhava em vários lugares tinha que andar de carro.
Foi assim que ele fez minha avaliação de perícia. Assinou papelada.
Morava aqui mesmo na Tijuca e veio andando. assim de esse jeito também partiu. era abril de 2014.
Tive mais alguns encontros com ele e com os seus colegas na perícia. tinha que renovar a licença. estava concentrado a fazer fisioterapia 5 dias por semana.
nesse lugar apertado onde aparecem funcionários de todo tipo e com problemas e argumentos de todo tipo ele sempre foi a gentileza encarnada. entrava cumprimentando, sempre achava alguma saída boa para os problemas.
mesmo quando quis voltar a trabalhar ele ajudou. porque pela greve daquele ano a perícia era feita uma vez ao mês, e no dia que eu devia ser liberado para voltar a trabalhar, o sistema (o Grande Irmão do século XXI) caiu o dia todo. teria que esperar mais um mês.
Era dezembro. E pedi a eles com gentileza para me liberar. Que queria já trabalhar. Não deram esperanças mas dias depois me ligaram do meu Departamento. O doutor Jorge mandou um recado.
Era a volta à ativa. Um presente de natal do Jorge. Nunca mais vi ele.
Semanas atrás soube ao abrir o jornal que tinha sido morto em um assalto violento na Avenida Brasil, de madrugada, quando se dirigia ao Hospital Rocha Faria, onde chefiava o plantão de final de semana.
Uma colega do hospital declarou para a imprensa: mas a vida é assim, os bons se vão primeiro.
Eu acho que não vão embora. Ficam em cada gesto lembrado, em cada vida confortada. Em cada pequena mudança de rumo. E mesmo em cada aparente fracasso ou erro ou esquecimento. Ficam como pessoas do bem que são.
Grato Jorge. A gente se vê em cada rosto de alívio ou de alegria dos pacientes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?