Maria Amélia Mano
Amor é prêmio, consolo, sonho e
passo para a felicidade. Guimarães Rosa diz: “Qualquer amor já é um pouquinho
de saúde, um descanso na loucura.” No caso deles era busca, intensidade,
pouquinho de saúde, sim, e descanso, sim, na e da loucura. E na sombra da
loucura, resolveram viver esse amor, como quase todos os recém amantes e recém
amados vivem. Ainda mais quando foram pouco amados.
Cada
vez mais Helena e as surpresas de ser quem é. Recaída e recomeço. Grupos
terapêuticos no CAPS-AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) para
se manter limpa. Entre lutas contra si mesma, conhece Antônio. Ele com história
parecida: perdas, fundos de poço, recomeços, recaídas e novas chances. Helena
fala de amor demais, amor que merece ter como prêmio por tudo. “Agora é de
verdade”, diz ela, sorrindo.
Relação
de 4 meses. Antônio vai morar com Helena. Antônio assume o filho menor de
Helena, João. João pede para ele ir na festa do Dia dos Pais da escola. João,
que teve pai ausente, canta no coral e faz desenho para Antônio. Ambos choram e
se abraçam. João resgata o pai que não teve. Antônio resgata os filhos que
perdeu para o crack. Helena sonha, sempre sonha: “vou ter outro filho.”
Helena
tem 41 anos e é soropositiva. Falta a menstruação. Dois exames negativos. Não
quer fazer ecografia. Tem certeza de que está grávida. A barriga aumenta. Os
seios incham cada vez mais e doem. Helena diz que dos seios, sai leite. Antônio
e João, felizes. A psiquiatra do CAPS-AD me liga preocupada, Helena insiste na
gravidez e não ouviu as recomendações de proteger o parceiro sorodiscordante.
Provas de amor.
Não
me preocupo. Não desfaço sonho. Sei que ela vai voltar. Sempre volta. E voltou
em dia de chuva, mais magra e bonita. Turbante colorido na cabeça: obrigações
da religião. Rezas no altar de casa com Orixás e oferendas. Diz que vai voltar
para o CAPS-AD. Sente falta dos grupos, das pessoas queridas. Reconhece que não
está grávida. Não sabe se ainda quer ser mãe novamente. Não sabe se é mesmo “de
verdade”, como acreditava.
Antônio
recaiu. Sumiu. Se escondeu. Mentiu. Roubou o celular novo de João para
“queimar”. João mentiu para Helena para proteger “o pai”: disse que emprestou para
Antônio e que ele perdeu. Helena não admitiu a farsa. Fez Antônio confessar e
prometer que vai dar celular novo para João. João chorou. Helena recaiu e no
meio de seus anjos e demônios, pensou só que “de verdade”, a dor é mais certa e
presente que o amor.
Mas
o amor, esse amor rosiano, que é saúde e descanso? Penso em Helena. Reconheço
que qualquer amor já é muito, mas se for “qualquer”, é pouco. É um pouquinho de
saúde, sim, por um tempo, mas nem sempre é um descanso na loucura. O amor pode
fazer parte da loucura e descanso mesmo é quando a gente se reencontra, seios
grávidos, de verdade ou de sonho que é de verdade, mas prontos para nos parir,
nos fazer renascer.
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