28 janeiro 2016

Olho duro [Julio Wong Un]



Eu não queria ter acordado
Mas mal controlo o protesto do corpo

Eu queria voltar ao espaço aprazível do sonho
Do esquecer

Mas ele diz
Grita como tambor
Batuque no tórax 
No mediastino 
Alguma vez a anatomia tinha que ser de utilidade íntima 

Nesse grito enlouquecido 
Na casa dormida e solitária 
- porque nunca houve assim tanta solidão 
Eu sinto faltas
Eu digo presenças que queria tocar
Calores calmos que tinham que estar
Para dizer meu mundo sem sequer
Soltar gesto ou palavra

Eu queria neste instante o teletransporte
O café instantâneo de queimada e doce
O passo ritmado pela Lima e pela República 
Aquele suquinho
Aquela utopia brotando de olhar e planos e sonhos
Aquela doçura de criança eterna que cria galáxias 

Mas tenho é penumbras 
Passagem de segundos como horas
Cidade minha que me nega
Black hole em dia ausente
Espera aceita
Em dizer silente

Eu queria insônia para outros
Queria sono bom até abrir os olhos
Mas desejo desde esta noite que não termina
Parece piada
E anuncia sua volta enseguida
Na próxima penumbra 
Na próxima instância 
Em que ele - o corpo, a fome, o vácuo 
Vai me definir por defeito
Contra toda regra 
Contra todo dizer 
Contrassenso de querer-te
E assim existir

Fecho os olhos sem sossego
Sem consolo sequer do cansaço 
E ele chega, vencedor, falante, final de dia, final de mundo
Até que as bocas calem cúmplices seus beijos
Até que os corpos definam sábios suas proximidades  

[rio de janeiro, cidade do carnaval, 3:50 da noite]


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