07 junho 2016

DISTRAÇÃO [Maria Amélia Mano]


Maria Amélia Mano


Aos que me acompanham,
de perto ou de longe,
em caminhadas.


Hoje eu vou brincar de ser criança
E nessa dança, quero encontrar você
Distraído, querido
Perdido em muitos sorrisos
Sem nenhuma razão de ser

Christiaan Oyens - Zélia Duncan

                Não presto atenção nas mudanças da casa. Esqueço coisas. Já fui atropelada por bicicleta em cima da praça e já atropelei, de bicicleta, em cima da calçada. Queimo o feijão. Deixo a luz acesa, o ventilador ligado. Entro na conversa no meio e acho que estou entendendo tudo e dou pitaco (pior que nem sempre é ruim). Tenho inúmeros chaveiros que não sei que porta abrem. Perder algo em casa é talvez, perder para sempre...
               
Se você não se distrai, o amor não chega
A sua música não toca
O acaso vira espera e sufoca
A alegria vira ansiedade
E quebra o encanto doce
De te surpreender de verdade

                Sou amiga de gente que entra em roubadas. Entro em roubadas. E pior, às vezes, envolvo os outros nessas roubadas. Viagens de paradas estranhas. Trajetos curvos, espirais, mais longos. Trajeto reto e direto... Esqueça! Paradas em livrarias, cafeterias, sorvete ou simplesmente, uma banca de revista. Quilômetros de caminhadas. Chuva que adoro pegar quando o calor é grande. Sem guarda chuva, claro! 


Se você não se distrai, a estrela não cai
O elevador não chega
E as horas não passam
O dia não nasce, a lua não cresce
A paixão vira peste
O abraço, armadilha

                Posso dormir no ônibus e encostar a cabeça no ombro de um desconhecido. Normalmente são compassivos e me alertam. Ainda, no ônibus, copio os poemas nas janelas, escuto as conversas e bato fotos. Também posso pegar o trajeto errado, posso passar do ponto de descida, especialmente se escuto uma canção bonita (e sorrio sozinha, pra ninguém). Ah! E canto a música de jeito errado, o que causa certa zombaria: felicidade alheia.

Se você não se distrai,
Não descobre uma nova trilha
Não dá um passeio
Não ri de você mesmo
A vida fica mais dura
O tempo passa doendo
E qualquer trovão mete medo
Se você está sempre temendo
A fúria da tempestade

                Converso com quem não conheço achando que conheço. Também falam comigo, carinhosos, sem saber quem sou. Já cheguei a pensar que tenho jeito comum e confiável. Algo que ficou mais frequente com os cabelos brancos. Aliás, os cabelos brancos, esses que me tranquilizam de algum diagnóstico, que me fazem me perdoar, rir de mim e das boas trapalhadas que já me meti e que ainda vou me meter, agora, com certo orgulho e carinho, por mim.


Foto: alguma manhã no Café da República, uma das paradas prediletas...


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