Maria Amélia Mano
Se amavam com a sede dos marujos
Lavando os olhos sujos, de mar e de embarcações
Se devoravam com a fome dos presídios
Com a festa dos sentidos guardados em seus
porões
Ivan Lins - Vitor Martins
Não sei como começou. Talvez ao
acaso, sem pensar, como quase todas as coisas valiosas e inesquecíveis. Passeios
na serra do Araripe para buscar galho pra árvore de natal. Pequena trilha
encantada que o pai recheava de histórias. Ou seriam nos quilômetros de ida e
vinda em estrada de terra para estudar. Cada carro que passava me enchia de
poeira fina. Eu tentando me proteger com sombrinha com cabo da pantera cor de
rosa. Coisa de criança que ainda gostava de ser.
E aprendi a caminhar por caminhar. E
caminhava, caminho, sonhando. Entre o acaso e a escolha. Como o Forrest Gump do
filme. Elaborando perdas, me aproximando de destinos distantes, me distanciando
de lembranças tristes, arrumando os passos do pensamento. Como o personagem,
perguntam se é por uma causa: ecologia. Ou se é por saúde. Mas é por memória
boa de infância, invenção de mundos, desarrumação de cabeça, desatenção que proíbe
carro, ou só prazer.
Não tem engajamento ou discurso. Não
tem defesa. Mas a cada dia, tem uma produção de caminhada. Seja pelas pedrinhas
que recolho e nomeio, mágicas. Seja pelas ideias que surgem. Seja pelas muitas inspirações
misturadas. Uma delas, queria gravar e escrevi na areia onde meus pés pisavam.
E cantei canção antiga de marinheiro e náufrago. Canção de amor. Canção de se
refazer. E a espuma banhou meus pés feridos de tanto mar e areia. O chão me
doía e era preciso voar, talvez.
Mas preferi olhar as palavras na
areia. Lutar contra a maré, só um pouquinho. E pensar sempre que precisamos
refazer nossas utopias. Essas que são que nem velas gastas nos ventos. Pensava
nesses tempos árduos de política e desmonte. Que não podemos ficar presos em
luta antiga e é preciso buscar na luta antiga, um novo fazer, um novo aprender. Descobertas
novas e novas lutas. Refazer, recriar utopias, as novas, as velhas, as que nos
fazem seguir. As que nos dão e nos tiram rumo. Por vezes, são as mesmas...
E cantava pensando no mundo de fora.
Esse mundão de tirar coisas, de ameaçar projetos bonitos. Mas, também, cantava
pensando no mundo de dentro. Esse mundinho de juntar coisas, de sonhar sonhos
bonitos. De querer guardar momentos e de querer olhar a palavra se fazendo e se
desfazendo em onda morna. Não é que ela suma, não! Ela não some. Ela só viaja, sedenta, marinheira, utopia, resgatando as garrafas com bilhetes de amor das profundezas
do mar.
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