11 outubro 2016

AS ROUPAS NOS VARAIS


Maria Amélia Mano

E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

Caetano Veloso

         Primeiro, o genocídio de populações indígenas e a opressão espanhola, legitimada pela Igreja que também fez acreditar que todos eram subumanos.

           Depois, a escravidão dos negros, também tratados como animais.

      O domínio francês veio para explorar e deixar em condição de miséria.

    Livre da França, invasões norte-americanas, ingerências, interferências e ditaduras cruéis.

           Em 2010, um terremoto destrói a capital, Porto Príncipe. São 150 mil mortos. Mais de 300 mil deslocados internos.

      Por Tabatinga, os filhos do terremoto se aproximam de nós, imigrantes fugindo de uma história de violências.

             Em 2016, um furacão e mais mil mortos, por enquanto...

            Agora, o medo pela cólera, o medo pelas mulheres...

            Estamos olhando a televisão e minha mãe se perde nas imagens da destruição. “E essas roupas nos varais?”

          Como prestar atenção nesse detalhe em meio tantos escombros? Mas, sim, coloridas, alguns panos, também estavam onde estavam pessoas em casas sem tetos.

      Sim, no meio da destruição, roupas aparentemente limpas arrumadas, estendidas, voando nas cordas. Ela se impressiona que o furacão não levou.

         Mas o furacão levou muito. A Espanha, a França e os Estados Unidos também levaram muito. Aprenderam a violência com a violência dos povos e dos ventos.

           Eu sei, por histórias vividas, que os que ficam buscam o mínimo do que tinham. Resgate de vida e de dignidade. Restos de um tempo de antes, da lama, das perdas, das chuvas e dos ventos.

          Imagino que as roupas nos varais são isso. O cuidado com o pouco que não foi. É dizer que é preciso seguir, esperar o sol, vestir o corpo, viver.

          Esses humildes, coloridos e pequenos pedacinhos de pano, limpos e cuidados, são pequeninas esperanças, secando, voando, rezando...
           


- Uma colega militar que trabalhou na missão brasileira ao Haiti em 2010, enviou essa conta que é de Iracema, a esposa de um haitiano que vive em Recife. Ela está coordenando uma ajuda e se tem a garantia de que quaisquer doações terão o destino justo.

Iracema CC Silva
Cpf: 06605026403
Banco do Brasil
Agência: 03255
CC: 390208

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