Maria Amélia Mano
O melhor lugar de ficar esperando o melhor pastel de massa massuda e carne
moída com pedaço de ovo e azeitona verde é na Borges de Medeiros, ao meio dia.
São só 60 passos, da Andradas até a Salgado Filho. Só uma quadra e um mundo. Um
mundo todo meu!
É velho, é novo, é
branco, é negro bem negro de língua estranha, é gente de cabelo liso, cor de
terra, índio. É gente de tudo que é jeito e cheiro que meu focinho até se
alerta. Gente que grita e gente que mal fala. Cabeludo e careca. Mulher e homem
e gente que não sei se é mulher ou homem. Tem também um gato amarelo com cara
de falso que se mete de vez em quando.
Falando
em falso, tem muita coisa falsa na calçada, dizem. Fones de ouvido, óculos Ray-Bam, calção adidas, tênis Nike,
cigarros, relógio dourado, telefone de brinquedo, filme e música em disco
pequeno, cachorrinhos de pelúcia latindo e caminhando como nunca caminhei e
lati, quando era pequeno... Homens são bem bobos mesmo!
E
chego abanando o rabo fino, nervoso, feliz até, olhando esse mundão maluco e
espiando pra dentro da lancheria do Gorducho. Nem pisco. Logo ele sai na porta e
me olha com o mesmo olhar enfezado, carinhoso e oleoso que nem quase tudo que
tem atrás do vidro da lancheria. Gentes têm esses olhares confusos e
misturados. Disfarço e viro pro lado. Ainda é cedo, eu sei.
Mas
também tem coisa verdadeira na calçada! É cesto de palha e bichinho de madeira do
índio, é quindim do alemão, é colar de macramê e filtro dos sonhos do cabeludo,
tiaras de flores de pano da velhinha, castelos de princesas e até mesmo as princesas
com roupas brilhosas de EVA. Ansiedade! Vontade de destruir tudo! Me contenho!
Sou mais educado que muito poodle!
Ainda
nervoso, levanto a pata no poste. Índio filhote, também de quatro pés no chão,
me vê e sorri e se inspira e me imita na vontade bem boa. Ninguém nos vê. Nem o
Gorducho, nem a mãe índia. Logo, nossos xixis se unem em lago amarelo na
calçada e rimos mais um para o outro, aliviados. Mas sinto fome. Ele também
sente, diz com o olhar. Nos entendemos.
Cuido
de longe o Gorducho que passa entre o homem do desentupidor de fogão a gás e o
do cadarço de sapatos. Fala da crise e do time de futebol e do governo e da
violência. Homens se repetem. Depois, pra variar, ri pra menina bonita dos
gorros e echarpes que voam com o vento. Um homem passa e grita: “Só Jesus nos salva!”.
Não entendo, mas acho que pode ser importante.
Finalmente!
O gorducho me chama. Faço meu olhar irresistível. Ele me atira o prêmio, a
iguaria, o banquete, o tudo na vida: o pastel! Devoro em maravilhosos segundos.
Lambo cada patinha, lambo o chão, lambo os bigodes. Filhote de índio me olha e
se aninha no seio da mãe índia. Até deu saudade da minha mãe e dos manos e
manas disputando as tetas!
O
melhor lugar de ficar esperando o melhor pastel de massa massuda e carne moída
com pedaço de ovo e azeitona verde é na Borges de Medeiros, ao meio dia. São só
60 passos, da Andradas até a Salgado Filho. Só uma quadra e um mundo. Um mundo
todo meu!
- texto para o PPGSC
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